sexta-feira, outubro 14, 2005

Juízes dos TAF (a maioria) gozam de 'privilégios' inadmissíveis

Os juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na sua esmagadora maioria (84), foram nomeados juízes efectivos, portanto em plenitude do exercício de funções, em 7 de Janeiro de 2004.

A partir dessa data, passaram a exercer as suas funções nos actualmente designados tribunais administrativos e fiscais, que são, pela sua natureza e por denominação legal, tribunais de círculo.

O exercício das suas funções desenvolve-se no mesmo plano em que se desenvolve o exercício de funções de qualquer outro juiz de círculo.

Por isso, na vigência do anterior ETAF, os juízes providos em lugares do quadro dos tribunais administrativos de círculo eram equiparados a juízes de círculo.

Tal equiparação a juiz de círculo atingia igualmente os magistrados do Ministério Público, no preenchimento dos lugares do respectivo quadro junto de cada um desses tribunais.

O novo ETAF, pela letra do seu artº 58º e pelo punho de um legislador qualquer, eliminou a equiparação a juiz de círculo dos juízes que exercem funções nos tribunais administrativos de círculo.

Todavia, manteve-se para os magistrados do Ministério Público essa equiparação (!!!).

Mantiveram-se igualmente (e bem, obviamente) equiparados a juízes de círculo os juízes nomeados antes da entrada em vigor do novo ETAF.

De lembrar também que estes novos juízes foram especialmente preparados para implementarem a reforma do contencioso administrativo; que para esse efeito frequentaram um curso, excluidor, no CEJ, especialmente destinado a formar juízes para os TAF, para o qual prestaram previamente provas específicas de acesso e muitos exames durante o mesmo.

E foi-lhes exigido, como prévio requisito de acesso ao dito curso, a experiência comprovada de pelo menos cinco anos de exercício profissional em direito público (o mesmo tempo que anteriormente era exigido a juízes da jurisdição judicial comum e aos magistrados do MºPº para ingressarem na jurisdição administrativa e fiscal).

Este o pano de fundo, em traços simples.

Agora vamos aos ‘privilégios’ inadmissíveis (apenas os específicos, porque além destes têm ainda os ‘privilégios’ dos demais juízes):

─ Desde o primeiro dia, 7/1/2004, que julgam todas as acções, comuns e especiais, providências cautelares e tudo o mais que cabe ao tribunais administrativos e fiscais, sem quaisquer limites de valor ou qualquer outro (não há aqui comarcas de ingresso nem de acesso, pois que são tribunais de círculo e a primeira nomeação é logo para um tribunal de circulo com as funções plenas e efectivas de juiz de círculo);

─ Estes juízes presidem, desde o primeiro dia, aos julgamentos em tribunal colectivo;

­─ O grau de dificuldade substantiva e adjectiva é extremo, pois a primeira instância tem agora as competências que detinha, acrescidas daquelas que anteriormente pertenciam ao Supremo Tribunal Administrativo (salvo competência residual deste que, por razões históricas, ficaram ainda, em primeira instância, no STA), o que significa que este grupo de novos juízes tem agora a suprema dificuldade de julgar causas que no momento imediatamente anterior eram julgadas por… juízes conselheiros; Além disso, são os pioneiros na utilização e na implementação do novo contencioso administrativo, o que envolve mat´weria adjectiva e também substantiva (sendo esta, em multiplas vertentes, de construção dogmática ou doutrinal ex nuovo);

─ Aos juízes administrativos, em determinados tribunais, foram distribuídos ainda, nuns às dezenas noutros às centenas, processos tributários, a acrescer aos processos administrativos, mas sem direito a qualquer remuneração adicional por este trabalho extra; sendo juízes administrativos, ficaram com a tarefa extra de processar e julgar processos de matéria tributária, a requerer muitas horas de estudo e trabalho, noite dentro (trabalho não remunerado!);

É bem de ver que estes não parecem juízes normais, pois são solicitados para exercerem funções jurisdicionais de altíssimo nível e em doses duplas: São, pois, tratados quanto ao exercício do seu múnus como super juízes.

E comportam-se, ao que parece, como super juízes, pois que, apesar de tudo, ninguém negou trabalho.

Agora, meus amigos, pasmem:

Estes juízes,

Todos tratados nos deveres e obrigações juris-funcionais como super juízes,

Todos exercem as funções de juiz de círculo,

em tribunais administrativos de círculo,

muitos julgam adicional e simultaneamente, e sem a respectiva remuneração, matéria tributária,

todos têm o estatuto de juízes de direito,

e todos têm o vencimento de juiz estagiário índice 100 (sendo certo que o seu estágio terminou no dia 31 de Dezembro de 2003).

E, pelo visto e pelo dito pelo Governo, continuarão com o vencimento de estagiários por 2006 e o mais que se verá.

Ao seu lado, o MºPº equipara-se a círculo.

Ao seu lado, os colegas nomeados ao abrigo do anterior ETAF, com exactamente o mesmo conteúdo funcional, têm o vencimento de juiz de círculo.

E é assim que desde Janeiro de 2004 os colectivos nos TAF são têm sido presididos por um juiz de direito, com vencimento de estagiário (!) (?) que tem a seu lado um juiz de direito, com vencimento de juiz de círculo, e o MºPº equiparado a juiz de círculo.

Estes 83 juízes (de um grupo de 84) estão à beira da ruptura psicológica;

Há já colegas de baixa por esse motivo;

Muitos estão à beira, ou mesmo em ruptura financeira, pois com tudo isto diminuíram o seu rendimento relativamente à situação profissional anterior, quando isso não era pressuposto em 2002, aquando da realização do exame de ingresso no CEJ.

Os tribunais administrativos estão a entrar em ruptura.

Os tribunais tributários estão em ruptura desde sempre, agora agravada pelas fortes pendências e distribuição, e com risco de perda de milhões para o Estado.

Reivindico aqui o estatuto, para estes 83 juízes, de maior privilégio de entre toda a magistratura portuguesa.

Não, não estamos a falar de um sistema judicial sul-americano ou africano, com todo o respeito por estes.

Aliás, penso até que nenhum país africano ou sul-americano jamais permitiria uma situação como esta.

É Portugal, meus amigos, Portugal em 2005, Séc. XXI!

Portugal, país europeu!!!

Acontece que os prazos que impedem a imediata debandada geral estão em curso.

Em curso!

Assim que for possível, esta jurisdição fica a falar sozinha ou quase.

Mais Grave: Num sector-chave no panorama da justiça portuguesa e da jurisdição nacional, como é o administrativo e o tributário, corre-se o riso de, a breve trecho, não haver juízes suficientes (aliás, já neste momento são insuficientes!).

Eis o Governo, eis o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, eis Portugal e os seus juízes privilegiados!

Tenham um bom fim-de-semana.

4 comentários:

Sónia Sousa Pereira disse...

Eu acho que esses juízes de que fala precisam de advogado, não?

;-)

S.

blábláblá disse...

bem visto, S´nia :)
apenas um reparo ao post: um dos tais juizes até já debandou, sem ter de esperar pelo tal prazo... trata-se de SEXA o secretário de Estado da Justiça Dr. Conde Rodrigues. Pois!

xavier ieri disse...

Olá Sónia
e anónimo,

Na verdade, foi o que uma maioria desse grupo de juízes fez: Intentar uma acção contra o Estado.
(com episódios pitorescos pelo meio).
Mas duas coisas se passam relativamente a essa acção:
- A acção vai de'andamento' lento; o tribunal, o de Lisboa, tem pouco pessoal, etc, etc, etc
- Em segundo lugar, tem vindo a ser feita enorme pressão para que este grupo de juízes desista da acção (!!!).
Esquecem-se, esses que assim pensam, que este grupo de juízes está no pleno uso dos seus direitos, utilizando os instrumentos próprios do estado de direito e fá-lo muito dignamente.
Esquecem-se, esses que assim pensam, que existem instâncias europeias e é só juma questão de tempo e de se verificarem os requsitos para o efeito, e logo essas instÂncias serão chamadas à resolução deste conflito que traduz uma ignóbil violação dos mais básicos direitos de trabalho, no caso, de titulares de um órgão de soberania.
É uma situação que traduz bem a menoridade, a medriocridade, a mesquinhez de uma certa maneira de pensar em Portugal, com invejas e jogos em bicos-de-pé.
E, pelo meio, um legislador desconhecido.
-"Quem és tu?"
- "Ninguém!".


Em relação ao dr. Conde Rodrigues, sempre foi um político, o que veio a revelar-se com a sua pronta nomeação para aquele cargo.
(E ainda bem, pois esta questão não se resolve com quaisquer favores ou algo semelhante).
ESta é uma questão de direito e de justiça.
Nada mais.
Aos juízes o que é dos juízes e aos políticos o que lhes é devido.

Obrigado Sónia, pela solidariedade implícita.

Anónimo disse...

Caro Colega dos TAF ?
Gostaria de saber, uma vez que sou uma colega que foi opositora ao concurso excepcional para o TAF, e estou graduada, se a situação ainda se mantém, ou se já recebem equiparados a juiz de círculo ? Ou caso contrário se há expectativas de resolução. Obrigado