quarta-feira, dezembro 21, 2005

VOTOS DE FELICIDADES PARA TODOS (SEJA LÁ ISSO O QUE FOR)

E nesta época festiva, importa relembrar (vá lá saber-se porquê!) que a asneira é livre.
O que não significa que devemos ou devamos conformar-nos com ela...
Não raro, é a perseverança que permite alcançar ganhos de causa.
Mas não chega.
Quem não der passos firmes em direcção ao destino, nunca lá chegará.

E como sõe dizer-se: UM FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO NOVO.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

VACA, ESSA INEVITABILIDADE

Portugal é uma vaca.

E é uma vaca com um úbere cheio de tetas.

A vaca é normalmente alimentada a palha nacional.

Já o seu úbere tem recebido fundos comunitários desde há cerca de duas dezenas de anos.

Até agora, as clientelas e os chicos-espertos mais não tinham do que, usando de toda a trucagem, conseguir uma teta e, como soe dizer-se, 'mamar à grande e à francesa' (seja lá isso o que for, por exemplo, pode ser plantações de jeep's).

Acontece que a fonte que alimenta o úbere está a secar.

Parece também que vai faltando terreno para plantar tanto jeep.

As clientelas, porém, qual bezerro em vias de desmame, não se conformam e querem mais leite nas "suas" tetas.

Até que alguém gritou: Eureka! perdão, gritou: 'Oh! Teta!'.

Pensei até que era lapso e seria uma nova treta.

Não era.

Era, isso sim, uma nova teta!

E tratada com carinho: oteta, que quer dizer, como toda a gente sabe, uma otazinha, pequenina.

Mas, para disfarçar, chamaram-lhe ota e pronto.

Portanto, nova teta já há.

Agora é preciso enchê-la.

E não é com palha nacional, directamente, não. É muito mais refinado.

O úbere que alimentará a nova teta será injectado com leite em pó europeu (nós damos a água para a reconstituição do nutritivo alimento natural, que virá do Alqueva não se sabe bem como, mas isso agora não interessa para nada).

Isso dará a ilusão, por algum tempo, de que a vaca vende saúde.

Mas esse derradeiro esforço da pobre vaca poderá ser fatal, especialmente porque se conjugam vários factores adversos:
- São mais os que mamam nas tetas da vaca do que aqueles que contribuem com fardos de palha;
- A palha nacional é caloricamente fraca, produz pouco leite.

O que significa que, por esta via, no futuro dificilmente a vaca produzirá leite suficiente para as clientelas internas e ainda para exportação.

Calhando, o melhor mesmo é esquecer o problema da vaca.

Virem-se para os vossos quintais, para os vasos de flores, para as vossas varandas.

Plantem uma couve e mais as flores, criem uma ovelhazita e tenham a vossa própria teta privativa.

Calhando ainda, produzem excedentes e com eles sempre se pode comprar mais palha para alimentar a vaca.

Sim, porque no mundo global já não se pode imaginar um qualquer regime, mesmo democrático, sem sua vaca.

domingo, dezembro 11, 2005

PORTUGAL DE PEQUENINOS

Curioso verificar que tantos e tantos portugueses vivem em bicos-de-pés.
Alapados à imagem que fazem de si próprios: Seres superiores ao seu semelhante, por uma qualquer banal razão divina, social, estatutária ou qualquer outra adrede.

Os juízes não são excepção.

E há uns quantos, tolos, que se julgam superiores a outros juízes (em abstracto, entenda-se; em concreto, cada um sabe de si).

Vá lá saber-se porquê!

É assim que os juízes, por exemplo, da jurisdição administrativa e fiscal e a própria jurisdição têm vindo a ser menorizados por alguns (uma parte que não sei se é significativa, quer qualitativamente quer quantitativamente) dos seus colegas dos tribunais judiciais.

Mas não passam de gente, essa sim, mal formada.

Aquela mesma que, na formação no CEJ e por mim observada em inúmeras vezes, falava com o pessoal administrativo da secretaria (não tanto aqui, pois precisavam deles) ou do bar do CEJ com uma sobranceria, uma soberba e uma superioridade que já aí denunciava a sua falta de princípios, de carácter e de personalidade para o exercício da judicatura.

Nessa matéria, nós portugueses continuamos com os horizontes ao nível do próprio umbigo.

Andam "todos" à procura de um pouco de sangue azul, seja no que for.

Esperam encontrar aí a diferenciação da sua consabida e autoproclamada grandeza.

Para os crentes, que Deus vos acompanhe.

Para os não crentes, que a razão vos ilumine.

Amén, para todos.

OUTRAS MANEIRAS DE VER E DE FAZER

Não há sistemas perfeitos.
Há uns que respondem e outros que não respondem às necessidades básicas de justiça (é disso que falamos).

Quais são os princípios que enformam o nosso sistema?
E como são eles efectivamente implementados?

Entre o endeusamento e a diabolização dos Estados Unidos da América fica a sua prática que, ao nível da justiça, parece, em larga medida, eficaz.

Assenta num conjunto de princípios que são efectivamente materializados e levados a uma práxis que na verdade parece funcionar, dentro daquilo que é um sistema de checks and balances, não controleiro, mas, pela ineficiência de cada um dos componentes ou instituições isoladamente consideradas, de cooperação e respeito mútuo.

Esses princípios são definidos e descritos com mais detalhes nos Trial Court Performance Standards [Padrões de Desempenho dos Tribunais de Primeira Instância] e nos Appellate Court Performance Standards (TCPS) [Padrões de Desempenho dos Tribunais de Apelação] criados pelas comissões nacionais de juízes e advogados e pelo Centro Nacional de Tribunais Estaduais (ACPS). (Os padrões TCPS e ACPS são padrões de uso voluntário para medir o desempenho dos tribunais):
  • Primeiro, e acima de tudo, eles devem seguir a lei e basear as decisões em fatores legais pertinentes;
  • Segundo, devem ser imparciais e dar tratamento igual a todas as pessoas;
  • Terceiro, embora mantenham sua autonomia de decisão e administrativa, devem prestar contas de suas decisões, operações e uso dos recursos públicos;
  • Quarto, devem ser abertos a todos e conduzir seu trabalho de maneira aberta; e
  • Quinto, devem ser eficientes e ágeis.
O processo penal básico norte-americano ficou conhecido no mundo inteiro como elemento principal de filmes e programas de televisão. Embora continue a ser um elemento fundamental do sistema judiciário, o julgamento pelo tribunal do júri decide menos de 5% dos casos processados na maioria das jurisdições. Alguns casos são ouvidos por um juiz sem um júri, mas a imensa maioria das ações é resolvida por meio de negociações entre as partes. Nos conflitos entre pessoas físicas ou que envolvam empresas isso é conhecido como acordo. Em acções criminais, essa prática é conhecida como negociação da pena.

Pela sua própria natureza e finalidade, o Judiciário não é e não pode ser uma instituição populista (isto é, uma instituição que reflete a vontade do público em suas decisões), como reconheceu o falecido presidente da Suprema Corte dos EUA, juiz Thurgood Marshall: "Não devemos nunca nos esquecer que a única fonte real de poder que nós juízes podemos obter é o respeito do povo".

Resolução de conflitos por procedimentos parajudiciais

A criação de procedimentos judiciais “alternativos” ou “complementares” para resolução de conflitos é resultado dos esforços para concluir um processo de maneira eficiente, rápida e não dispendiosa. Levando-se em conta que a maioria dos casos termina em acordo, espera-se que esses programas permitam que as partes tratem dos problemas que originaram o conflito, e que o façam no estágio preliminar dos procedimentos, de modo a evitar os custos substanciais do processo de preparação do caso para julgamento e reduzir o tempo necessário para fechar acordo.

A mediação (isto é, uso de uma pessoa “neutra”, com capacitação profissional, para ajudar as partes a chegar a um acordo) é hoje amplamente usada para resolver demandas comerciais, divórcios e guarda de filhos, litígios por ofensas pessoais ou de natureza económica, pequenas causas (isto é, quando estão em jogo quantias inferiores a US$ 5 mil), conflitos com relação a recursos hídricos e entre inquilinos e senhorios. A mediação às vezes é usada para estabelecer o valor da indenização que um infrator criminal ou adolescente infrator pagará à vítima. Geralmente a parte que fica insatisfeita com os resultados da mediação poderá levar o caso a julgamento sem penalidade.

Procedimentos de arbitragem (encaminhamento da demanda para decisão por uma ou mais pessoas "neutras" selecionadas pelas partes com base em sua competência técnica) são freqüentemente exigidos em casos de contratos de construção, serviços médicos, serviços de corretagem ou questões laborais. As decisões da arbitragem geralmente exigem cumprimento obrigatório pelas partes e não são passíveis de revisão.

Outros procedimentos, como avaliação neutra preliminar (avaliação das questões e dos prejuízos por um especialista, com base em depoimento detalhado de cada parte) ou julgamentos por ritos sumários (uma apresentação resumida das provas e argumentos a um júri não oficial) são usados menos freqüentemente e geralmente em ações ou conflitos complexos, nos quais estão jogo grandes somas.

As avaliações realizadas geralmente demonstram que a mediação é "melhor" que o processo de litígio padrão, em termos do nível de satisfação do litigante e do cumprimento dos acordos. Entretanto, a possibilidade de ser menos dispendioso e mais rápido depende em grande parte do momento em que ocorre durante o processo de litígio, de quem paga os custos e da qualidade e supervisão do programa. Têm sido levantadas questões sobre a imparcialidade dos painéis de arbitragem exigidos como parte de contratos de consumidor.

A génese das varas especializadas.

As varas especializadas e o sistema de rol de processos (“dockets”) projetados para atender às necessidades de determinados tipos de processos ou conjuntos de litigantes não são novos. A Vara Arbitral do Estado de Delaware tem-se concentrado em demandas comerciais desde sua fundação e a primeira “vara da infância e da juventude” foi criada na virada do século XX. Entretanto, com a constatação de que a complexidade de certos tipos de casos ou as necessidades especiais de certos tipos de litigantes exigem conhecimento, serviços e procedimentos especializados, e até mesmo dependências especiais, o sistema judiciário de alguns Estados reservaram salas de audiência, promulgaram novas regras e nomearam juízes especializados em demandas comerciais, relações familiares, violência familiar ou crimes de adolescentes.

Por exemplo, além da nomeação de juízes com profundo conhecimento e experiência em questões legais e financeiras que afetam o comércio, as varas comerciais geralmente têm procedimentos e processos que permitem a pronta resolução de questões complexas, podendo contar com recursos modernos de gerenciamento de informações e de exibição de imagens, inclusive sistemas de videoconferência que permitem que as testemunhas deponham sem sair de seus escritórios.

Tribunais de pequenas causas

Os chamados tribunais de pequenas causas ["problem-solving" courts] tiveram início com o Miami Drug Court [Tribunal para Dependentes Químicos de Miami] em 1989. Com ardorosos defensores e recursos do governo federal, esses tribunais se disseminaram no país e se ampliaram, passando a atender casos não relacionados com o abuso de drogas. Esses tribunais surgiram devido à frustração dos juízes por atender à mesma pessoa diversas vezes por conta das mesmas infrações ou atos. Entretanto, a base filosófica está, pelo menos em parte, no conceito original das varas da infância e da juventude que surgiram na virada do século XX, nas quais o juiz atua como um genitor governamental, mais preocupado com os problemas, comportamento e necessidades da criança do que com os detalhes da infração em questão.

Os tribunais de pequenas causas fazem uso da ameaça de imposição ou de fato impõem seu poder coercitivo não apenas para induzir o réu a procurar tratamento e outros serviços, mas também para orientar os serviços necessários ao tratamento efetivo de uso indevido de drogas, saúde mental, controle da raiva ou problemas ligados à pobreza que estão na raiz do delito. As atribuições dos tribunais incluem ainda:

  • Firme monitoramento do cumprimento das determinações judiciais e da evolução do tratamento do réu, tanto pelas equipes de acompanhamento das penas e de tratamento quanto pelo próprio juiz;
  • Intervenção direta do juiz junto ao réu, com a conseqüente diminuição do papel defensório exercido tradicionalmente pelos promotores e advogados de defesa dos EUA; e
  • Proposição de acordo entre a promotoria e o réu, segundo o qual acusação será retirada ou a sentença anulada se o réu preencher as condições e concluir os programas determinados pelo juiz.
Os benefícios desses tribunais de pequenas causas são:
  • Os infratores que concluem o programa prescrito têm menos probabilidade de cometer outros delitos que os sentenciados e presos por acusações semelhantes;
  • O infrator é considerado diretamente responsável e enfrentará as conseqüências de falha no cumprimento das decisões judiciais;
  • Os custos do tratamento são muito menores que os custos de encarceramento;
  • Promovem a ação coordenada dos serviços sociais e, conseqüentemente, de todos esses benefícios; e
  • Fortalecem a confiança da população no sistema judiciário.

Adaptação de um texto original de
Richard Van Duizend, formado em Direito pela Universidade Harvard e atualmente um dos principais consultores de administração judiciária do National Center for State Courts.

OH TEMPOS, OH COSTUMES!

"Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas? Oh tempos, oh costumes! (...)"

Primeiro discurso contra Catilina de (Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), cônsul de Roma)

ESCUTA, ZÉ NINGUÉM

Wilhelm Reich nasceu a 24 de Março de 1897 nos confins orientais da Galícia, então na posse do Império Austro-Húngaro. Acusado de charlatanismo, perseguido pelos nazistas e pelos “democratas” norte-americanos, expulso do círculo de psicanalistas e do Partido Comunista. Foram inúmeros os problemas que teve com todos os tipos de poderes instituídos. Isso graças ao vigor de seu pensamento e de sua independência frente às instituições repressivas que tanto criticou. Não reconheceu limites nas ciências, da psicologia foi para a física, para a biologia... e cada campo recebeu valiosíssimas contribuições, que até hoje (até mesmo nas academias) não são reconhecidas e até mesmo boicotadas.


Escuta, Zé Ninguém!
não é um documento científico, mas humano. Foi escrito por Wilhelm Reich no Verão de 1946, para os arquivos do Instituto Orgone, sem que se pensasse, então, em publicá-lo. Resultou da luta interior de um cientista e médico que, durante décadas, passou pela experiência, a princípio ingênua, depois cheia de espanto e, finalmente, de horror, do que o Zé Ninguém, o homem comum, é capaz de fazer de si próprio, de como sofre e se revolta, das honras que tributa aos seus inimigos e do modo como assassina os seus amigos. Sempre que chega ao poder como “representante do povo”, aplica-o mal e transformado em qualquer coisa ainda mais cruel do que o sadismo que outrora suportava por parte dos elementos das classes anteriormente dominantes.


"Escuta, Zé Ninguém!


Chamam-te “Zé Ninguém!” “Homem Comum” e, ao que dizem, começou a tua era, a “Era do Homem Comum”. Mas não és tu que o dizes, Zé Ninguém, são eles, os vice-presidentes das grandes nações, os importantes dirigentes do proletariado, os filhos da burguesia arrependidos, os homens de Estado e os filósofos. Dão-te o futuro, mas não te perguntam pelo passado.

Tu és herdeiro de um passado terrível. A tua herança queima-te as mãos, e sou eu que to digo. A verdade é que todo o médico, sapateiro, mecânico ou educador que queira trabalhar e ganhar o seu pão deve conhecer as suas limitações. Há algumas décadas, tu, Zé Ninguém, começaste a penetrar no governo da Terra. O futuro da raça humana depende, à partir de agora, da maneira como pensas e ages. Porém, nem os teus mestres nem os teus senhores te dizem como realmente pensas e és, ninguém ousa dirigir-te a única critica que te podia tornar apto a ser inabalável senhor dos teus destinos. És “livre” apenas num sentido: livre da educação que te permitiria conduzires a tua vida como te aprouvesse, acima da autocrítica.

Nunca te ouvi queixar: “Vocês promovem-me a futuro senhor de mim próprio e do meu mundo, mas não me dizem como fazê-lo e não me apontam erros no que penso e faço”.

Deixas que os homens no poder o assumam em teu nome. Mas tu mesmo nada dizes. Conferes aos homens que detêm o poder, quando não o conferes a importantes mal intencionados, mais poder ainda para te representarem. E só demasiado tarde reconheces que te enganaram uma vez mais.

Mas eu entendo-te. Vezes sem conta te vi nu, psíquica e fisicamente nu, sem máscara, sem opção, sem voto, sem aquilo que fiz de ti “membro do povo”. Nu como um recém-nascido ou um general em cuecas. Ouvi então os teus prantos e lamúrias, ouvi-te os apelos e esperanças, os teus amores e desditas. Conheço-te e entendo-te. E vou dizer-te quem és, Zé Ninguém, porque acredito na grandeza do teu futuro, que sem dúvida te pertencerá. Por isso mesmo, antes de tudo o mais, olha para ti. Vê-te como realmente és. Ouve o que nenhum dos teus chefes ou representantes se atreve a dizer-te:

És o “homem médio”, o “homem comum”. Repara bem no significado destas palavras: “médio” e “comum”.

Não fujas. Tem ânimo e contempla-te. “Que direito tem este tipo de dizer-me o que quer que seja?” Leio esta pergunta nos teus olhos-amedrontados. Ouço-a na sua impertinência, Zé Ninguém. Tens medo de olhar para ti próprio, tens medo da crítica, tal como tens medo do poder que te prometem e que não saberias usar. Nem te atreves a pensar que poderias ser diferente: livre em vez de deprimido, directo em vez de cauteloso, amando às claras e não mais como um ladrão na noite. Tu mesmo te desprezas, Zé Ninguém, Dizes: “Quem sou eu para ter opinião própria, para decidir da minha própria vida e ter o mundo por meu?” E tens razão: Quem és tu para reclamar direitos sobre a tua vida? Deixa-me dizer-te.

Diferes dos grandes homens que verdadeiramente o são apenas num ponto: todo o grande homem foi outrora um Zé Ninguém que desenvolveu apenas uma outra qualidade: a de reconhecer as áreas em que havia limitações e estreiteza no seu modo de pensar e agir. Através de qualquer tarefa que o apaixonasse, aprendeu a sentir cada vez melhor aquilo em que a sua pequenez e mediocridade ameaçavam a sua felicidade. O grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la; que procura mascarar a sua tacanhez e estreiteza de vistas com ilusões de força e grandeza, força e grandeza alheias. Que se orgulha dos seus grandes generais, mas não de si próprio. Que admira as idéias que não teve, mas nunca as que teve. Que acredita mais arraigadamente nas coisas que menos entende, e que não acredita no que quer que lhe pareça fácil de assimilar.(…)”.

(Há por aí à venda)

APOLOGIA DE SÓCRATES (O GREGO)

“Desconheço atenienses, que influência tiveram meus acusadores em vosso espírito; a mim próprio, quase me fizeram esquecer quem sou, tal o poder de persuasão de sua eloqüência. De verdades, porém, não disseram nenhuma. Uma, sobretudo, me espantou das muitas perfídias que proferiram: a recomendação de precaução para não vos deixardes seduzir pelo orador formidável que sou. Com efeito, não corarem de me haver eu de desmentir prontamente com os fatos, ao mostrar-me um orador nada formidável, eis o que me pareceu a maior de suas insolências, salvo se essa gente chama formidável a quem diz a verdade; se é o que entendem, eu admitiria que, em contraste com eles, sou um orador. Seja como for, repito-o, de verdades eles não disseram alguma; de mim, porém, vós ouvireis a verdade inteira. Mas não por Zeus, atenienses, não ouvireis discursos como os deles, aprimorados em substantivos e verbos, em estilo florido; serão expressões espontâneas, nos termos que me ocorrerem, porque deposito confiança na justiça do que digo; nem espere outra coisa qualquer um de vós. Verdadeiramente, senhores, não ficaria bem a um velho como eu vir diante de vós modelar seus discursos como um rapazinho. Faço-vos, contudo, um pedido, atenienses, uma súplica premente; se ouvirdes, na minha defesa, a mesma linguagem que habitualmente emprego na praça, junto das bancas, onde tantos dentre vós me haveis escutado, e em outros lugares, não a estranheis nem vos revolteis por isso. Acontece que venho ao tribunal pela primeira vez aos setenta anos de idade; sinto-me, assim, completamente estrangeiro à linguagem do local. Se eu fosse de fato um estrangeiro, sem dúvida me desculparíeis o sotaque e o linguajar de minha criação; peço-vos nesta oportunidade a mesma tolerância, que é de justiça a meu ver, para a minha linguagem, que poderia ser talvez pior, talvez melhor, e que examineis com atenção se o que digo é justo ou não. Nisso reside o mérito de um juiz; o de um orador, em dizer a verdade.

(…)

Em princípio, ó atenienses, é legítimo que eu me defenda das calúnias das primeiras acusações que me foram dirigidas e dos primeiros acusadores, e depois das mais recentes acusações e dos novos acusadores. Pois muitos que se encontram entre vós já me acusaram no passado, sempre faltando com a verdade, e esses me causam bem mais temor do que Ânito e seus amigos, embora estes sejam acusadores perigosos. Mas os primeiros são muito mais perigosos, ó cidadãos, aqueles que convivendo com a maior parte de vós, como crianças que deviam ser educadas, procuraram convencer-vos de acusações não menos caluniosas contra mim: que existe um certo Sócrates, homem de muita sabedoria, que especula a respeito das coisas do céu, que esquadrinha todos os segredos obscuros, que transforma as razões mais fracas nas mais consistentes. Estes, ó atenienses, que propalaram essas coisas acerca de mim, são os acusadores que mais receio, porque, ao ouvi-los, as pessoas acreditam que quem se dedica a tais investigações não admite a existência dos deuses. E esses acusadores são muito numerosos e me acusaram há bastante tempo, e, o que é mais grave, caluniaram-me quando vós tínheis aquela idade em que é bastante fácil – alguns de vós éreis crianças ou adolescentes – dar crédito às calúnias, e assim, em resumo, acusaram-me obstinadamente, sem que eu contasse com alguém para me defender. E o que é mais assombroso é que seus nomes não podem sequer ser citados, exceto o de um comediógrafo; porém os outros – os que, por inveja ou por vício em fazer falsas acusações, procuraram colocar-vos contra mim, ou os que pretenderam convencer os outros por estarem verdadeiramente convencidos e de boa fé –, esses todos não podem ser encontrados, nem se pode exigir que ao menos alguns deles venham até aqui, nem acusar ninguém por difamação, e, em verdade, a fim de me defender só posso lutar contra sombras, e acusar de mentiroso a quem não responde. Portanto, vós deveis vos certificar de que existem duas categorias de acusadores: de um lado, os que me acusam há pouco tempo, e de outro, os que já me acusam há bastante tempo e dos quais tenho falado a respeito, e então reconhecereis que devo defender-me destes em primeiro lugar. Ainda mais porque esses acusadores fizeram-se ouvir por vós antes e mais demoradamente do que aqueles que vieram depois.

Defender-me-ei, portanto, ó atenienses, e assim descobrirei se aquela calúnia, que martiriza meu coração há tanto tempo, possa ser extirpada, embora deva fazê-lo em tão curto prazo. E se eu for bem-sucedido, se conseguir acarretar-vos algum benefício com a minha defesa, será excelente para vós e para mim. Bem sei quanto isto é difícil e tenho plena consciência da enorme dificuldade que me espera. Que tudo se passe de acordo com a vontade do Deus, pois à lei é necessário obedecer e defender-se.

(…)

Algum de vós poderia questionar-me: "Ó Sócrates, o que fazes então? Que motivo originou essas calúnias? Com certeza, se muitos te acusaram, não se deveu ao fato de que nada fizeste fora do comum; tantas vozes não teriam se erguido se tivesses te comportado como todos se comportam Conte o que fizestes, pois não desejamos julgar-te irrefletidamente".

Procurarei esclarecer-vos a respeito da causa dessas calúnias contra mim. Escutai-me, portanto. É possível que alguns entre vós creiam que eu esteja brincando; não, estou falando sério. Ó atenienses, é verdade que adquiri renome por possuir certa sabedoria. E que tipo de sabedoria é essa? Possivelmente, uma sabedoria estritamente humana. E a respeito de ser sábio, receio possuir esta única sabedoria. Ao passo que esses, de quem vos falava há pouco, talvez sejam possuidores de uma sabedoria sobre-humana, mas afirmo que não a conheço, e quem diz o contrário mente, apenas com o intuito de caluniar-me. Peço-vos para não fazer algazarra, ó atenienses, embora possais ter a impressão de que eu esteja proferindo palavras por demais fortes; que não é meu depoimento, mas o de uma testemunha que merece toda a vossa confiança.

(…)

Saberão agora o motivo pelo qual vos relato isso: meu intento é pôr-vos a par de onde se originou a calúnia contra mim.

(…)

Por fim, ao arrepio de minha vontade, comecei a investigar acerca disso. Fui ter com um daqueles que possuem reputação de sábios, julgando que somente assim poderia desmentir o oráculo e responder ao vaticínio: "Este é mais sábio que eu e afirmastes que era eu". Mas enquanto estava analisando este – o nome não é necessário que eu vos revele, ó cidadãos; basta dizer que era um de nossos políticos –, enfim, este com que, analisando e raciocinando em conjunto, fiz a experiência que irei descrever-vos, e este homem aparentava ser sábio, no entender de muitas pessoas e especialmente de si mesmo, mas talvez não o fosse de verdade. Procurei fazê-lo compreender que embora se julgasse sábio, não o era. Em vista disso, a partir daquele momento, não só ele passou a me odiar, como também muitos dos que se encontravam presentes. Afastei-me dali e cheguei à conclusão de que era mais sábio que aquele homem, neste sentido, que nós, eu e ele, podíamos não saber nada de bom, nem de belo, mas aquele acreditava saber e não sabia, enquanto eu, ao contrário, como não sabia, também não julgava saber, e tive a impressão de que, ao menos numa pequena coisa, fosse mais sábio que ele, ou seja, porque não sei, nem acredito sabê-lo. Aí procurei um outro, entre os que possuem reputação de serem mais sábios que aqueles, e me ocorreu exatamente a mesma coisa, e também este me dedicou ódio, juntamente com muitos outros.

(…)

A verdade, porém, é que esses homens demonstraram ser pessoas que dão a impressão de saber tudo, porém, naturalmente, não querem dizer a verdade. Desta maneira, ambiciosos, dominados pela paixão e numerosos como são, e todos da mesma opinião nesta difamação a meu respeito e com argumentos que podem parecer também convincentes, sem escrúpulo algum encheram vossos ouvidos com suas calúnias. Este é o motivo pelo qual, finalmente, lançaram-se contra mim Meleto, Ânito e Lícon: Meleto profundamente irado por causa dos poetas, Ânito por causa dos artesãos e dos políticos, Lícon por causa dos oradores. Contudo, como vos disse desde o início, seria de fato um verdadeiro milagre se eu tivesse a capacidade de arrancar-vos do coração esta calúnia que possui raízes tão firmes e profundas. Esta é, ó cidadãos, a verdade, e eu a revelo por completo, sem ocultar-vos nada, nem mesmo esquivando-me dela, embora saiba que sou odiado por muitos exatamente por isso. Por sinal, é outra prova de que digo a verdade, e que esta é a calúnia contra mim e esta a causa. Indagai quanto quiserdes, agora ou depois, e recebereis sempre a mesma resposta.

(…)

Cidadãos, são estas, enfim, as razões que posso apresentar em minha defesa, e algumas mais, que, porém, são bem poucos diferentes destas. É possível que alguém entre vós, ao pensar em si mesmo, possa irritar-se comigo se, algum dia, ao ter de enfrentar um processo menos arriscado do que este, suplicou clemência aos juizes, e, além disso, trouxe ao tribunal os filhos e vários de seus parentes e amigos, ao passo que eu não me porto desta maneira, embora, ao que parece, esteja arriscando a vida .É possível que alguém, ao fazer intimamente esta comparação, se deixe influenciar pelo amor-próprio ferido e, desta forma, enraivecido com minha atitude, emita seu voto com raiva. A uma pessoa assim, que talvez esteja entre vós, não afirmo categoricamente que há, poderei responder da seguinte maneira: "Meu estimado amigo, eu também trouxe alguém da minha família, e aqui caberia aquele dito de Homero: 'Que não de carvalho, nem de pedra nasci, mas de criaturas humanas'.

Eu também possuo família, ó atenienses; tenho três filhos, um já crescido e dois ainda crianças, mas não os trouxe aqui para despertar vossa misericórdia e absolver-me". E não é por orgulho que me comporto assim, nem por desprezo, nem para provar que sou corajoso diante da mote, mas pela minha reputação, pela vossa e de toda a cidade, não me pareceu honroso agir dessa maneira, ainda mais na minha idade e com o meu nome, verdadeiro ou falso que seja, porque corre pela cidade que, em quaisquer aspectos, Sócrates se distingue da maioria dos homens. Ora, se aquele que entre vós possuem fama de se distinguirem pela sabedoria e coragem, ou por outra virtude qualquer, se procedessem dessa maneira, seria vergonhoso, e pessoas desse tipo, eu mesmo presenciei muitas vezes, quando eram réus em um processo, embora possuíssem alguma boa reputação, têm atitudes excepcionais, como se achassem que iriam sofrer sabe-se lá que tortura se devessem morrer e como se tornassem imortais se não fossem condenados à morte por vós. Estes, sim, envergonham a toda a cidade, tanto que qualquer forasteiro poderia imaginar que aqueles atenienses que se distinguem por sua virtude e que seus concidadãos elegem à magistratura e outras honras não são em nada melhores que as mulheres. Por isso, não nos portamos dessa maneira é o que compete a nós, que temos fama de sermos ainda alguma coisa. Nem vos conviria, se nos comportássemos assim, deixar-nos fazê-lo, mas sim mostrar a todos que julgais com maior rigor quem encena esses dramas lastimosos e cobre a cidade de ridículo do que quem suporta com serenidade o próprio destino.

Não considero justo, ó cidadãos, tentar influir nos juízes e, mediante súplicas, livrar-me da condenação, mas sim infomá-los e convencê-los.

Os juízes não se encontram aqui para favorecer o justo, mas para julgar o justo, nem juraram que favorecerão a quem lhes paga, mas que farão justiça de acordo com as leis. Portanto, não é necessário que vos habitueis a isso; não faremos coisas boas e piedosas, nem vos nem eu. Não iríeis querer então, ó atenienses, que eu cometesse diante de vós atos que reputo desonestos, injustos e vis, e eu menos ainda, eu que sou acusado por Meleto, aqui presente, de impiedade. Porque é evidente que se eu, por meio de súplicas procurasse convencer-vos e obrigar-vos a violar o juramento, eu vos ensinaria que, desta acusação, seria culpado de não crer nos deuses. E é justamente o contrário que sucede. Acredito nos deuses mais do que qualquer um dos meus acusadores, e deixo a vosso critério, e ao do deus, julgar o que será para vós e para mim o melhor.”.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

UMA COISA VERDE...

Reformar o sistema de recursos e alçadas é algo que se impõe há muito tempo.
Mas, onde uns vêm garantias e garantismo eu vejo empastelamento.
Onde outros vêm excesso de garantias ou de garantismo eu vejo o problema com outro enquadramento.

Em primeiro lugar, o actual sistema desemboca no que se tem visto nos últimos anos: justiça desacreditada. Auto-desacreditação, entenda-se (da desacreditação por via da cicuta desprestigiante derramada pelo Governo sobre a justiça já aqui se falou).

De recurso em recurso, vamos de decisão em decisão e, atendendo aos resultados, de indecisão em indecisão até ao descrédito total.

Uns dizem, outros desdizem.

Uns, que é amarelo; outros, que não, que é azul; outros, que é rosa...

O povo desespera e não entende. Sente a injustiça da justiça.

Os espertalhões, os sabidolas, os chicos-espertos e quejandos aproveitam o facto e, por entre decisões e contra-decisões, escapam-se como areia seca por entre dedos atrofiados.

Melhor seria isto:
- Uma primeira instância provida com juízes bem preparados;
- Uma primeira instância de juízes de um corpo de juízes dignificado e prestigiado, de um órgão de soberania digno desse nome;
- Uma primeira instância com meios técnicos e humanos suficientes e capazes;
- Uma lesgislação, ao menos a adjectiva, que responda às necessidades dos tempos actuais (ao invés da actual que obriga o juiz a utilizar cerca de 75% do seu tempo, esforço e saber na preparação do processo para, então sim, poder julgar a causa);

E melhor seria também limitar o acesso aos tribunais superiores, segundo níveis de importância qualitativa e quantitativa que traduzam, nessa matéria, as necessidades actuais da sociedade portuguesa.

Mas não apenas pelo aumento das alçadas e pelo aumento das custas (o preço da justiça).

Mas antes pelo reforço, nos termos expostos, das competências, qualitativa e quantitativamente, da primeira instância.

Na verdade, face ao actual quadro, como pode um país suportar uma rede de tribunais de 1ª instância se estes "nada decidem"? (espero que o blog corporações não veja isto e vá a correr transcrever a literalidade d a expressão).

Em boa verdade, face ao excesso de garantias que actualmente existem, os tribunais de 1ª instância produzem decisões ... verdes!

Sim, verdes!

E, claro, como coisa verde que é... vem um burro e... come-a! (salvo seja)

Pode um país dar-se ao luxo de, por sistema (e devido ao sistema), ver quase cada uma das decisões jurisdicionais de 1ª instância (e não só) devolvida ao sistema judicial para nova decisão?

Façam as contas.

Aos euros e ao resto.

E o resto não é despiciendo.

A justiça é de homens para homens (e mulheres, acrescente-se antes que me mandem com um agrafador à testa).

Alguns erros se cometerão na primeira instância. Mas também nas instâncias superiores não são assim tão raros.

Aliás, em última instância não existem erros por isso mesmo: por ser uma última instância.

Duas pessoas a decidir sobre o mesmo problema podem muito bem desembocar em soluções diferenciadas, ambas tecnicamente correctas, mas reflectindo sensibilidades diferentes. O que é humano. E mais não se pode pedir. Aliás, ir além disso é substituir um homem-juiz por um computador-debitador de decisões.

Pelo que o problema não é de segurança ou garantia: É político.

E não é apenas pelo aumento das alçadas que se encontra a boa solução.

Isso, conjugado com o aumento das custas, terá um efeito altamente perverso: Tornar a justiça um bem cada vez mais inacessível a uma (já) larga fatia dos cidadãos.

É pela dignificação, pela formação e competência da 1ª instância, conjugado com um regime que permita o acesso às instâncias superiores, repete-se,
apenas às causas que, segundo níveis de importância qualitativa e quantitativa, traduzam, nessa matéria, as necessidades actuais da sociedade portuguesa.

É bem de ver, pois, que em prol da justiça e dos cidadãos, bom seria que as decisões jurisdicionais deixassem de ser uma coisa verde...

quarta-feira, novembro 30, 2005

PONTOS NOS ii

Esta é uma espécie de carta aberta ao povo português e aos senhores políticos deste país.

Portugal necessita de, urgentemente, recolocar a justiça nos carris do seu escopo constitucional: Administrar a justiça em nome do povo.

O que, no contexto do estado actual da justiça portuguesa, significa justiça em tempo útil, sem o que já justiça não é.

Como tem vindo a ser repetido, inclusivé por responsáveis políticos, do bom funcionamento da justiça depende o desenvolvimento do país.

A justiça em Portugal, passe o simplismo, é um binómio com dois braços:
- Por um lado, o conjunto das pessoas que directamente produzem actos tendentes à obtenção de uma decisão judicial; de entre estes, os juízes são aqueles que têm a competência e a responsabilidade de administrar a justiça, ou seja, de produzir decisões jurisdicionais.
-Por outro, a Assembleia da República e o Governo. São ambos detentores do poder legislativo (na forma mitigada da repartição de poderes na nossa democracia) e o Governo detentor do poder executivo.

Significa isto que aos juízes cabe apenas a, aliás nobre, exigente e exclusiva, tarefa de julgar.

E, nesta matéria, ainda não vi qualquer estudo ou sequer factos que permitam concluir que o estado da justiça se deva à falta de trabalho dos juízes portugueses (ou dos operadores judiciários).

E, passe o infeliz (que não inocente) episódio do Primeiro-Ministro sobre as férias judiciais, demonstrativo da sua ignorância sobre a matéria, nem o poder político a tanto se atreveu.

Sem favor. Simplesmente sabe que, de facto, na justiça se trabalha e muito. É, de resto, a única forma de tentar ultrapassar aquilo que são as deficiências do sistema: Mais e mais horas de trabalho.

É bem conhecido o facto de os juízes trabalharem, em regra, para além e muito para além de um horário de trabalho normal público ou privado.

Mas é tudo o que os juízes (e também os operadores judiciários) podem fazer: Trabalhar e trabalhar e trabalhar com vista à resolução dos conflitos que lhes são submetidos para julgamento.

Tudo o mais depende da Assembleia da República e do Governo.

Todos os meios materiais, técnicos e humanos dependem do Governo, pelos seus diversos serviços.

Mas isso não esgota a responsabilidade do poder político pela situação, boa ou má, da justiça.

São também a Assembleia da República e o Governo, cada um no uso das suas competências próprias ou partilhadas, quem aprova as leis que regem a justiça, as leis de processo, de apoio judiciário, de formação dos magistrados, estatutárias, etc.

Como também são os responsáveis pela criação de regimes substantivos que, não raro, pela más soluções legais que implementam, são verdadeiras e grandes fontes de contencioso.

Como também são eles que importam de outros ordenamentos jurídicos, institutos jurídicos "novos" e entre nós implementados, não raro e até frequentemente, de forma deficiente;

Como também a própria transposição para a ordem jurídica portugesa do direito comunitário é, por vezes, deficiente.

Deficiências essas que são também fonte de contencioso que, inevitavelmente, chega aos tribunais.

Numa palavra, o modelo da justiça portuguesa é algo que resulta de diplomas legais aprovados pelos órgãos de soberania Assembleia da República e Governo, o que significa que não só os juízes nada podem fazer, nessa matéria, afastada que está das suas competências, como apenas lhes resta (aos juízes) aplicar a lei vigente, boa ou má.

Mas há mais.

Os juízes, como também os magistrados do Ministério Público, como também os funcionários judiciais, como também os advogados, têm sistematicamente apontado as falhas do sistema.

Como têm também mostrado e enfatizado a disponibilidade para cooperar na identificação mais precisa e estudo dos respectivos problemas.

Como têm também apresentado propostas de solução.

Como têm também mostrado toda a disponibilidade para colaborar na elaboração de soluções que sirvam a justiça e a recoloquem nos carris de uma justiça que se quer pronta e eficaz.

E o que tem feito o poder político?

Nada!

N-A-D-A!

Isso porque, entre aquilo que fez e nada a diferença é coisa nenhuma!

Tudo continua na mesma!

De uma vez por todas, é preciso que se saiba que, sem alijar as responsabilidades que eventualmente caibam (e algumas caberão, pontualmente) aos magistrados, aos funcionários, aos advogados, é o poder político, e mais a sua inabilidade e mais a sua incapacidade e mais a sua incompetência, o grande responsável pelo estado actual da justiça em Portugal.

E que bom que era que essas fragilidades (passe o eufemismo) desembocassem apenas em problemas para a justiça.

Infelizmente, a conclusão a que se chega é a de que, numa parte que se afigura apreciável, o país está de rastos devido à actuação política, ou melhor, devido à condução que os senhores políticos, quer da administração central, quer da administração regional, quer da administração local, fizeram ao longo dos anos, sem rumo, sem destino e com muita corrupção pelo meio.

Aos deputados e governantes deste país pede-se apenas que cumpram o seu dever assumido perante os cidadãos, guiados pelo interesse público.

E que o interesse público não seja uma bandeira de pura demagogia agitada vezes sem conta para ocultar sabe-se lá o quê, como o tem feito o Governo.

Toda a gente sabe que a verdade é um bem raro no discurso político.

Em política, o que hoje se diz amanhã desdiz-se; o que hoje é verdade amanhã é mentira; o que hoje se promete amanhã não se cumpre.

Mas, senhores políticos: Façam lá o vosso joguinho politiqueiro; empanturrem-se de demagogia; favoreçam lá as vossas clientelas (todos nós, portugueses sem tacho, cá estamos para pagar a factura); mintam até os narizes sairem pelas escadarias de s. Bento, enfim...

Mas, por favor, em nome do povo que (des) governam, pelo menos em relação a pontos-chave da vida nacional, como é o caso da justiça mas não só, não descurem a governação; a boa governação, entenda-se, em prol do interesse público, com postura e sentido de estado. Com elevação e honradez.

Os juízes cá estão, como sempre estiveram e hão-de estar, para, de harmonia com a lei, dia a dia, em cada tribunal, trabalharem em prol de uma justiça em tempo útil, administrando a justiça em nome do povo.

terça-feira, novembro 29, 2005

E SE É MESMO PURA INCOMPETÊNCIA?

Reunidos os juízes e expostas as suas razões para o descontentamento e para o repúdio de posturas governamentais impróprias de governantes num país democrático e num estado de direito, lançados desafios de diálogo, apontados caminhos de solução e propostas de mudança, reafirmados o empenhamento e a disponibilidade, engajados os juízes na sua única e exclusiva forma de vida profissional (qual sacerdócio!), eis que continua o desnorte do Governo relativamente à Justiça, como as suas imediatas reacções tão bem espelham.

Não mostram postura nem discurso de Estado.

Os dois principais responsáveis pela política no campo da Justiça, o PM e o MJ, das duas uma: Ou nem sabem verdadeiramente do que falam ou então seguem um plano muito bem concebido, aqui já de tipo maquiavélico, porque estruturado e planificado no médio e longo prazo e com objectivos definidos mas desconhecidos de todos.

E todavia... parece que a "coisa" é bem mais tola.

Por vezes, procuram-se motivações numa estratosfera intelectual, onde julga situar-se o plano do pensamento, no caso, dos responsáveis governamentais.

Essa é uma atitude que revela um certo crédito que ainda é concedido ao Governo (designadamente ao PM e MJ), a partir da idéia, apriorística e abstracta, de que aquelas pessoas terão mérito, competência e competências, e boas intenções.

Mas a explicação pode ser bem mais linear: pura incompetência.

E, claro: Má formação pessoal.

Nesse plano, bem se compreende que as pessoas que integram o Governo confundam legitimidade eleitoral com manipulação grosseira da opinião pública, deixando, pelo caminho, de rastos, um fundamental pilar do país: a justiça.

Não só as medidas até agora tomadas se revelam insipientes ou mesmo contraproducentes, como também a omissão de medidas, que só ao Governo e à Assembleia da República compete tomar, tem agravado e mostram potencial para agravar o já degradado estado a que a justiça chegou.

Ao Governo e à Assembleia da República cabe o papel de legislar sobre a matéria, extensa e complexa.

Cabe-lhes interpretar os sinais da vida do país e verificar que o actual modelo judiciário e processual está obsoleto, face às exigências actuais, e a carecer urgentemente de intervenção estrutural.

Mas, é bem de ver que um governo, encabeçado por um primeiro-ministro que, no seu discurso inaugural, face a um país com tremendos problemas para resolver e a carecer de linhas de rumo decisivas e fortes, apontou apenas as "férias judiciais" e a "venda de medicamentos fora das farmácias" como os elementos preponderantes da sua actuação futura, está bem de ver, repito, que um tal governo nunca poderia fazer mais do que aquilo que está a fazer:

_ A destruir a harmonia entre os cidadãos;

-A denegrir a imagem dos pilares fundamentais do país e da democracia, apresentando os seus titulares como seres abjectamente privilegiados (desde a justiça, à educação passando pela saúde);

- A desbaratar o capital social do país em guerras intestinas e absolutamente inúteis;

É atroz e revoltante, verificar, mais uma vez para quem não queria ver, que este PM e este MJ, no que toca à justiça, não sabem do que falam.

Julgam identificar um problema e logo acorrem com uma suposta solução, que não passa de remendo branco sobre pano preto, nem sequer cosido mas apenas alinhavado.

Ó senhor Ministro da Justiça: Faça um favor ao país e demita-se.

É que, é preferível nada fazer do que fazer o que tem vindo a fazer: a destruir tudo aquilo em que toca.

E se a sua consciência for renitente (ou se ela estiver obnubilada por um ego demasiado narcísico) ao menos siga o conselho da nossa querida Amália e vá pelo "mais ou menos", ou seja, finja: "vale mais o mais ou menos do que mais, porque menos não pode ser".

Vai ver que num instante, para si, passa o tempo e não tarda está livre de tudo isto.

Sim, porque do que não há dúvida é de que "este não é o seu ministério"!

segunda-feira, novembro 28, 2005

QUEM APAGOU A LUZ*

Já percebi que nisto dos blogs o silêncio tem múltiplas potenciais explicações.

Significa isso que para dizer "não tenho nada para dizer ou acrescentar" é preciso dizê-lo de "viva voz".

O silêncio aqui é apenas isso: Como que em consequência de um murro no estômago, sinto falta de ar.

E sinto também que falta dizer algo.

Acima de tudo, falta FAZER algo.

Já não basta cada um, no seu cubículo, fazer o melhor que pode e sabe pelo seu país.

Sufoco!

Talvez seja apenas a sensação de que nada depende de mim; nada depende de nós.

Pelo contrário, estamos completamente nas mãos dos arrivistas políticos, à mercê de lógicas que não parece passarem pelo interesse do país, dos cidadãos.

Não acredito que indivíduos no exercício das funções de ministro sejam ceguetas ou incompetentes; Não com o burilado demagógico que as pessoas que actualmente exercem o cargo de ministro e de primeiro-ministro demonstram.

Não pode ser incompetência: É um propósito.

Qual, não sei.

Esta estranha situação na e da justiça (para mais não dizer), que não está nas mãos de cada um de nós resolver, deixa-me capaz do melhor e do pior.

Opto pelo melhor (?): Vou continuar a trabalhar o melhor que posso e sei.

Para os amargos de boca, bebo uma agüinha das pedras.

Lamento a escuridão institucional.

Ou, como perguntava a *Sónia : "quem apagou a luz?".

quinta-feira, novembro 17, 2005

UM DIA NORMAL

Processos, processos, processos!
Despachos, despachos, despachos!
Julgamento, julgamentos, testemunhas, requerimentos, despachos, despachos...
Sentenças, sentenças, sentenças....
Estatística, pendências, urgências...
Providências, urgências, urgências...

(Não me posso esquecer de viver)
Post it: "não esquecer de respirar";
Post it: "não esquecer voltar para casa antes que o galo cante";
Post it: "Não esquecer de verificar se o mundo ainda existe";

"Exmº Senhor Dr. Juiz"
Pois!
Processo virtual: abre! abre! ABRE!!!
F#*»-§+, esta merda não abre!
Irra!!
O que?
20 minutos para depositar um simples despacho!!???
... o choque tecnológico...
Urgência...
Sr. dr. juiz, estão a aguardar...
despacho: Pelo exposto, julga-se...
Como se chama?
"É uma violência o que se passa nos tribunais portugueses..."
Pois...
É violento, é.
Mais lento do que vi-o, mas é...
Eu também vi-o lento.
É pedófilo?
Credo!
Vi-o. Lento.
A mim?
Não, ao processo!
...
Ó sr. dr. juiz, sinto-me indignado...
Eu também, eu também...

(!)

(Prostração)

(Mijando de pé, como mandam as regras da masculinidade, pergunto-me, no remanso da possível casa-de-banho das instalações do órgão de soberania, como é possível conseguir ainda mijar!
E de pé!
Sinto-me um verdadeiro felizardo, à beira de outros que ainda mijam, mas de gatas).

Quantos são? Quantos são?

É entrar!
É ENTRAR!

Venham ao circo juridiciário!
Trapezistas e contorcionistas de alto gabarito!
Animais amestrados vestidos de preto!
Teatro de marionetas: O inimaginável tornado real!
E Palhaços!
Muitos palhaços!
Venham! Venham! É de morrer a rir!

TRRRIIIIIIIMMMMMM...

Estou?
Sr. dr. juiz, é o sr. ministro da justiça. Posso passar?
Passe.
Estou?
Boa tarde. Fala o ministro da justiça. É o sr. dr. juiz fulano de tal do tribunal de tal parte?
Sou, faça o favor de dizer sr. ministro.
É para lhe agradecer, sr. juiz. Aliás, tenho estado toda a tarde a agradecer a cada um dos juizes portugeses.
(!).
Estou?
Sim, sim.
Pois, como lhe dizia, quero agradecer... Sabe? Talvez com uma metáfora se perceba melhor:
'tá a ver as corridas de toiros?
Pois é. Quando o toiro marra a sério, inopinadamente e de forma certeira, causa mossa! Enfim, são toiros inconformados com o seu destino medíocre de levar com umas farpas no lombo. Nesse caso, diz-se, na gíria taurina, que o toiro é "manso".
E quando o toiro marra de baixo para cima, de forma previsível e ritmada, permitindo a suprema ignomínia, perdão, galhardia de o tombar de joelhos, curiosamente diz-se que o toiro é "bravo".
Vai daí pensei que...
(!)
Pois... Desculpe. Na verdade a metáfora, embora apropriada, não é lá muito elegante.
Mas percebeu, não percebeu?
Obrigadinho, sr. dr. bravo, perdão, sr. dr. juiz.
Boa tarde.
Boa tarde.

(!)

Ora, anúncios, anúncios...

Cá está: Dr. Salvador da Cuca, psiquiatra.

TRRRRIIIIIIMMMMMMM...

terça-feira, novembro 15, 2005

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA

Subitamente ouço o silêncio.
Um por um, todos os animais da quinta se vão calando.
Outros vão calando.
Pura premonição.
Como se adivinhassem uma catástrofe.
Como se fosse iminente furacão ou talvez terramoto.
Aguarda-se apenas que o meteorologista de serviço lance o aviso de catástrofe.
Entretanto, impõe-se reservar umas conservas, biscoitos secos e garrafões de água.
Não se sabe, nem é possível calcular, a dimensão da devastação.
E umas pilhas.
Para o transistor.
Alguma ligação ao mundo terá de haver.

Mas quero crer (ou não fosse este um país corrupto e chico-espertista) que subornando o meteorologista se pode convencê-lo a evitar a catástrofe.
E uma vez que a razão vai sendo cada vez mais um bem raro, logo, precioso, pode até ser ser que sirva de moeda de troca.
Pede-se, pois, às adequadas estruturas representativas dos animais da quinta que reunam as suas reservas de razão e delas façam entrega ao meteorologista de serviço a troco de nada que não seja simples utilização da dita.
Poderá resultar.
A menos que esse meteorologista esteja já provido de uma razão que a própria razão desconheça.
Nesse caso, é catástrofe certa.
É que o pior que pode acontecer num país é um meteorologista de serviço desprovido de razão.
Pode ocorrer uma devastação total.

Voltemos aos biscoitos secos...

quinta-feira, novembro 10, 2005

A PORTA DA RUA É A SERVENTIA DA CASA


Da Revista Focus, via verbo jurídico:

"Há dez anos, quando foi ministro do interior, demitiu-se, com a consciência roída por uma carga sobre trabalhadores.
Agora, já sem complexos de esquerda: comprou guerras com juízes, magistrados e outros.
Só faltavam os advogados: Foi esta semana.
Resta-lhe seguir o caminho que bem conhece, por indecente e má figura..."

Pois é.

Poder-se-ia dizer que o Estado, empobrecido (atendendo ao equilíbrio para que o Orçamento tende, quem terá enriquecido sem causa legítima?), não permite ao Governo fazer melhor.

Poder-se-ia até concluir que, de entre todas as medidas necessárias, as implementadas deveriam aceitar-se e deve-se saber esperar pelas restantes (que ninguém, todavia, sabe quais são...).

Pode justificar-se tudo isso.

Não pode é admitir-se nem aceitar-se um ministro arrogante, ofensivo nas palavras e até nas acções, que desbarata estupidamente e descarta e rejeita o maior capital (no caso, na área da justiça) que portugal tem: O humano.

Como em todas as profissões e actividades, o caminho da incompetência é só um: RUA!

quarta-feira, novembro 09, 2005

O ESTADO DE DIREITO



Durante grande parte da história da humanidade, governante e lei foram sinónimos — a lei era simplesmente a vontade do governante.

Um primeiro passo para se afastar dessa tirania foi o conceito de governar segundo a lei, incluindo a idéia de que até o governante está abaixo da lei e deve governar através dos meios legais.

As democracias foram mais longe criando o Estado de Direito.

Embora nenhuma sociedade ou sistema de governo esteja livre de problemas, o Estado de Direito protege os direitos fundamentais, políticos, sociais e econômicos e nos lembra que a tirania e a ilegalidade não são as únicas alternativas.

  • Estado de Direito significa que nenhum indivíduo, presidente ou cidadão comum, está acima da lei. Os governos democráticos exercem a autoridade por meio da lei e estão eles próprios sujeitos aos constrangimentos impostos pela lei.
  • As leis devem expressar a vontade do povo, não os caprichos de reis, ditadores, militares, líderes religiosos ou partidos políticos auto-nomeados.
  • Os cidadãos nas democracias estão dispostos a obedecer às leis da sua sociedade, então, porque estas são as suas próprias regras e regulamentos. A justiça é melhor alcançada quando as leis são criadas pelas próprias pessoas que devem obedecê-las.
  • No Estado de Direito, um sistema de tribunais fortes e independentes deve ter o poder e a autoridade, os recursos e o prestígio para responsabilizar membros do governo e altos funcionários perante as leis e os regulamentos da nação.
  • Por esta razão, os juízes devem ter uma formação sólida, ser profissionais, independentes e imparciais. Para cumprirem o papel necessário no sistema legal e no político, os juízes devem estar empenhados nos princípios da democracia.
  • As leis da democracia podem ter muitas origens: constituições escritas; estatutos e regulamentos; ensinamentos religiosos e étnicos e tradições e práticas culturais. Independentemente da origem, a lei deve preservar certas cláusulas para proteger os direitos e liberdades dos cidadãos:
    - No âmbito do requisito de proteção igual pela lei, a lei não pode ser aplicável unicamente a um indivíduo ou grupo.
    - Os cidadãos devem estar protegidos da prisão arbitrária, da busca sem razão em suas casas ou da apreensão de seus bens pessoais.
    - Os cidadãos acusados de crime têm direito a um julgamento rápido e público, bem como à oportunidade de confrontar e questionar seus acusadores. Se forem condenados, não podem ser sujeitos a castigo cruel ou excepcional.
    - Os cidadãos não podem ser forçados a testemunhar contra si mesmos. Este princípio protege os cidadãos da coerção, do abuso ou da tortura e reduz enormemente a tentação da polícia de empregar tais medidas.

segunda-feira, novembro 07, 2005

O DESGOVERNO NA PASTA DA JUSTIÇA

Tudo começou num discurso inaugural, o discurso à nação do novo Primeiro-Ministro.
Logo ali eu desconfiei.
Fazia sentido, num discurso de início de mandato, elevar as férias judiciais (de entre todos os problemas da justiça, bem mais prementes) à condição de essência política para a justiça (aliás, o mesmo se diga em relação aos medicamentos)?
Na altura pensei: "Certamente que não consigo ver o alcance, mas por meu defeito, exactamente como acontece com certos quadros da nova arte plástica que eu não entendo mas sobre os quais críticos insuspeitos lavram críticas de excelência, vendo sublimes planificações pictóricas reflectindo os modernos problemas da estruturação quântica onde eu só vejo tinta esborratada".
E calei-me, remoendo a ignorância espectante.
Depois, foram saindo as imbecilidades de todos conhecidas, atacando-se os magistrados, os funcionários e agora, os próprios advogados.
Os problemas na e da justiça são sobejamente conhecidos e vão desde a formação e a falta de formação de magistrados e funcionários até à falta ou insuficiência de meios técnicos e humanos, passando, em muito larga medida, por legislação processual anquilosada e ausência de efectivos meios alternativos para a resolução de conflitos (passe a enumeração redutora).
É evidente, isto é, será evidente, isto é, queira Deus que seja evidente que o PM e o Ministro da Justiça, pelo menos, tenham consciência de que aqueles são os problemas.
Poderia até acontecer que nem todos pudessem ser, desde logo, resolvidos ( a crise financeira parecia ser séria - se bem que parece já não ser, pois havendo crise não se percebe a opção Ota dos biliões).
Mas, admitindo que por motivo de crise, nem todas as soluções que se impõe sejam tomadas para a justiça o pudessem ser, certamente que subsistiria a necessidade de implementar umas quantas e explicar a ausência das restantes.
Isto num país normal, com políticos normais.
Agora, ao invés de discurso sério e medidas adequadas e adequadamente implementadas, como se compreende esta aparente necessidade de conflito permanente com magistrados, com advogados, com funcionários?
Ainda por cima, conflitos que poderiam até anunciar montanhas mas não o fazem!
Aliás, fosse para anunciar montanhas e até se minimizava, pela eventual necessidade, as investidas do Governo contra as pessoas, investidas essas que se têm revelado aleivosas e gratuitas.
Acontece que essas "montanhas" pariram apenas ratos. E de esgoto.
Houvesse alguma utilidade nessas anémicas medidas e até valeria o esforço, sem, contudo, valer a ofensa (e essa é e continua a ser grave).
Mas não é assim.
Parece é que a cartilha política do Ministro da Justiça e deste Governo apenas tem uma via: a do conflito. A da afronta. A do linchamento público das instituições do país.

Mas com que finalidade?
Será apenas inabilidade?

Será incompetência?
Se não é, então o que é?
Quais os objectivos destas campanhas contra as pessoas, contra as intituições e contra o prestígio de instituições e de pessoas que também carecem do seu prestígio profissional como referência social de aceitação e credibilização?

Onde estão os políticos sérios, com nobreza de carácter e visão e postura de estado?

sábado, novembro 05, 2005

O ESTÚPIDO LEGISLADOR

Há uns anos, chegou-se à conclusão que se impunha uma mudança na jurisdição administrativa portuguesa.
Mãos-à-obra e a obra foi dada à luz: Pariu-se um novo contencioso administrativo.

Mas como a jurisdição administrativa não tinha juízes próprios (recrutava-os nos tribunais judiciais ao preço de juiz de círculo e de promessas concretizadas de rápida ascensão na carreira), entendeu fazer recrutamento próprio.

Para isso, entendeu também lançar a rede a profissionais especialistas em direito público.
Não um qualquer recém-licenciado inexperiente.
Exigiu, pelo menos, cinco anos de COMPROVADA experiência em direito público.
Examinou-os e tornou a examiná-los.
Por via daquelas especiais e comprovadas competências, a formação pôde ser reduzida a um ano (ao invés dos 3 anos do costume).
De entre mestres em direito, pós-graduados, quadros experientes da Administração Pública, Advogados com tarimba, cerca de 1200 responderam à chamada para, no final, ficarem apurados 84 deles.

84 verdadeiros idiotas crédulos.

Chamados a implementar um NOVO contencioso administrativo (hoje, especialistas únicos nesta matéria no seio da jurisdição, únicos com formação específica).

De seguida, tratados como se tivessem acabado de sair dos bancos da escola.

Apanhados a meio da sua vida pessoal e profissional numa ratoeira traiçoeira.

Tratados como carne para canhão.

Tendo-lhes sido imposto trabalho segundo princípios de escravidão (para quem solicitar eu explico, mas basta ler o que sobre a matéria já escrevi neste blog).

Ameaçados, em discursos paranóicos, por várias vezes, por aqueles que, sem visão nem rasgo de inteligência sobre a matéria, são meros agentes autoritários e despóticos.

Sem possibilidade de exercerem outra actividade profissional e assim, pelo menos, manterem o nível de vida que tinham anteriormente, passam pelas ruas da amargura, mês após mês.

É que ninguém esperava que o legislador, além de estúpido, fosse mentiroso e burlão.

E assim se mantêm mais de oito dezenas de juízes espartilhados no seu direito constitucional de procura da felicidade, vendo diminuídas a sua qualidade de vida e a dos seus filhos e de quem de si depende.

Não por falta de trabalho, não por falta de esforço e até redobrado.

Mas apenas porque um legislador estúpido, mesquinho, pequenino, menor, apoiado por mentalidades tacanhas, decidiu sair do buraco onde estava escondido e fazer uma alarve xico-espertice: Obter mão-de-obra qualificada ao preço da uva mijona.

A jurisdição administrativa e a tributária estão e vão a pique.

Para o fundo.

Por todos os outros motivos, mais esse.

Irremediavelmente.

Pode ser até que, pelo meio, a Administração Pública paralise.

Está mais do que visto que só pela via da revolução, da quebra, da descontinuidade, do solavanco, do quebrar das grilhetas, é que tudo isto avança: aqui como na justiça em geral.

quinta-feira, novembro 03, 2005

THE DAY AFTER

A greve.
Em termos de adesão foi quase total.

A maioria das pessoas, na esteira da declaração da ASJP, pensa que a greve foi motivada pelas questões relativas aos ditos "privilégios".

Não é verdade.

Verdade é que isso foi a mola impulsionadora.
Verdade é que isso também motivou o aviso de greve.

Mas o que motivou cada juiz a fazer greve está muito para além disso.
Por vezes é quase indizível, outras consubstancia-se num conjunto de reivindicações atinentes às condições reclamadas para o bom exercício da judicatura.

Pela minha parte fiz greve por não me conformar em continuar diariamente a enfrentar os milhentos obstáculos que me impedem de produzir, que me impedem de exercer a judicatura com dignidade, que me impedem a obtenção de resultados atinentes a uma justiça pronta e eficaz.


Fiz greve porque essa situação obriga-me a trabalhos redrobrados e suplementares e, ainda assim, sem os resultados desejáveis.

Fiz greve porque toda essa situação não me permite o pleno gozo da vida enquanto pessoa, enquanto cidadão, o gozo dos momentos em família, ao fim do dia, de cada dia, como qualquer ser humano e cidadão tem direito.

Fiz greve por indignação.

Ninguém esperava que, na sequência da greve, algo acontecesse, ou o Governo tomasse as medidas que se impõe tomar.

Teve o mérito (talvez o único) de reafirmar a impossibilidade de continuação do status quo judiciário no actual momento.

Ou se reforma a justiça, verdadeiramente, ou Portugal não avançará, pois que sem justiça operante, funcional, eficaz, nenhum país progride.

Aguarda-se actuação de quem pode para fazer o que deve.