quinta-feira, outubro 13, 2005

"Abre os olhos mula, que a carroça vai cega!"

Do verbo jurídico retirei este comentário-resposta, da autoria de Apolítico.
Eu não sou apolítico. Sou apartidário.
Mas aquilo que o Apolítico escreve é verdadeiramente apodíctico.
Porque assenta em factos demonstráveis.
Basta ver o bloco legal que regula os vários aspectos do órgão de soberania Tribunais.
Basta ver a prática governativa para a justiça.
Mas vamos ao comentário, porque diz o que é preciso dizer.

(...) não sou juiz. Sou advogado. Logo, não posso ser acusado de corporativo ou outra qualquer outra coisa. A greve dos juízes é prejudicial para mim. Diligências vão ficar por fazer. Vou deixar de receber honorários que poderia receber.
Mas estou com os juízes, porque eles têm razão.
Ridículo é dizer que os juízes não têm direitos; só deveres.
Ridículo é querer que os juízes continuem a exercer a sua função completamente dependentes, sem a independência do poder judicial, sem a necessária separação de poderes.
Ridículo é querer que os juizes continuem a ser escravos para o trabalho, para o labor. Mas para o resto, isto é, para não levantarem problemas, já são órgãos de soberania.
São admissíveis greves por outras razões ... além das laborais ?
Pois são ... Mas e as laborais, não ?
Para que se fazem greves ? Por questões não laborais ?
Deixe-me rir, por favor. Vá ler primeiro a constituição e depois escreva.
Diz bem: julgar é função de soberania e nunca de subordinação.
E aos juízes portugueses, é reconhecida essa soberania ?
Sabe porventura se um juiz tem gabinete próprio ?
Tem assessor ?
Tem chefe de gabinete ?
Tem alguém para lhe redigir e seleccionar jurisprudência e doutrina ?
Tem porventura segurança à porta do Tribunal ?
Tem carro do Estado ?
Tem motorista ?
Tem computador atribuído ?
Tem sala de audiência para fazer julgamento ?
Tem um salário digno, no mínimo equivalente ao titular de um órgão de soberania ?
Tem os respectivos suplementos de soberania, como têm os deputados, ministros e quejandos ?
Tem assistência na saúde e doença como têm todos os dos ministérios, presidência da república e provedoria da justiça (ver www.sspcm.pt) ?
Enfim, são tratados como titulares de soberania ?
Até um presidente de câmara ou de junta de freguesia, que não são titulares de soberania, têm isso tudo.
Os juízes nada disso têm.
Sei do que falo porque diariamente contacto com dezenas de juízes.
O cenário é igual em todo o lado. Em Lisoa, no Montijo, em Sintra, em Loures, no Barreiro, em Coimbra, em Gaia, em Ovar, em Chaves, em Guimarães... em todo o lado.
Tem razão: um Juiz não pode em circunstãncia alguma abster-se de julgar.
Pois não, não pode abster-se de dar uma decisão num caso concreto.
Mas não é obrigado a fazê-lo no dia 26 e 27 de Outubro se fizer greve.
Assim como tem que ter tempo para fazer esse julgamento.
E se não tem condições para o fazer, nem equipamento, nem lhe é reconhecida a dignidade a que tem direito, o que quer que ele faça ? Que seja escravo e não juiz ?
Ridículo é o pensamento mesquinho e de pequenez dum povo que não reconhece a nobreza da judicatura que tem.
Enquanto os juizes portugueses são elogiados na Europa por aquilo que têm sido, designadamente por não se deixarem pressionar pelo poder político, o povo português rejubila quando se fala em funcionalizar o juiz.
Fazer isso é a maior perda para todos nós. Enquanto cidadãos. Mas o povo continua cego. E satisfeito com a cegueira.
Até um dia em que o azar lhe bata à porta.
Aí vai querer um juiz independente, isento, não sujeito a pressões políticas.
E não o vai encontrar.
Porque bateram com a porta.
Nessa altura, será o reino dos lobbies.
Será o fim da democracia.
Será o regresso da ditadura.
Abra os olhos, amigo.

Ou, como diz o nosso povo, que por vezes tanta sabedoria revela: Abre os olhos mula (sem ofensa) que a carroça vai cega!

2 comentários:

Sónia Sousa Pereira disse...

Só para lhe dizer que passei por cá!

E acrescento, em tom de provocação, que é curioso ser um advogado a aduzir a argumentação de uma forma tão incisiva (e com a qual concordo).

Quanto a mim, estas deveriam ser as V. bandeiras (e que seriam também as nossas).

Mas nem sempre o discurso dos Senhores Magistrados tem sido claro e algumas confusões surgem por aí (na própria classe).

Imagine então qual será a opinião do espectador no meio de tudo o que lhe é (e não é) oferecido.

É só disto que me "queixo".

No mais, venha a Revolução! :-)

Respeitosos cumprimentos...,

S.

xavier ieri disse...

Aleluia!
Olá Sónia
Que bom 'vê-la' por aqui.
Mas olhe que essas bandeiras tenho-as erguido aqui neste blog e tenho apontado inclusivamente uma actuação menos esclarecedora da ASJP (e até mais do que isso).
Inté...