sábado, julho 22, 2006

DIÁLOGOS DE VERÃO - MAJA DESNUDA

- Boa tarde. Sílvia, a sua modelo. "33 anos de idade" lembra-se? Falàmos pela net...
- Boa tarde. Claro que sim... Entre, entre.
- Hum... que atelier...! parece a gruta do Ali Bábá... Ui... e tantos quadros...! nús! Faz muitos nús...
- Um brique-a-braque isso sim. Atelier de pintor... é assim... milhões de objectos inúteis... mas cada um deles com uma história.
- Gosto. Mas é tão pessoal... sinto que estou a invadir... mesmo a devassar a sua... intimidade.
- Não deixa de ser assim, mas afinal vai posar para mim. Passa a fazer parte da minha intimidade. Bem-vinda!
- É fascinante, na realidade!
- Quando a contratei, pela Internet, disse-me que já havia posado anteriormente...
- Sim, é verdade. Posei já por três vezes... para grupos de senhoras. Um clube de pintoras amadoras.
- Alguém sabe que aqui veio?
- Como combinado, ninguém! Percebi a ideia: A surpresa será maior...
- Sente-se confortável com a ideia de posar para mim? Afinal, vai ter que se despir completamente, como sabe...
- Sim, ah ah, não há qualquer problema. Afinal, vai imortalizar-me!
- Literalmente! Muito bem. Podemos então começar, se estiver pronta. Pode despir-se. Tem ali um espaço para si, atrás daquele biombo...
- Não me lembro de ter visto qualquer exposição ou obra sua...
- ...
- Pronto. Cá estou! E agora?
- Humm...
- É essa a tela? É enorme! Já sei: tamanho natural!
- A Maja desnuda. Goya. Conhece?
- Devo confessar que não...
- Não faz mal. Mostro-lhe uma fotografia. Aqui está. É esta a pose que quero que adopte.
- E onde?
- Ali, naquele divã... tente esta posição... assim... o braço mais levantado... isso...
- Hum, macias estas almofadas... cetim...
- Faremos uma única sessão de uma hora, sem intervalos. Acha bem?
- Sim. Posso ir falando...?
- Claro que sim, aliás, gosto de ir falando com as minhas modelos...
- ... Faz muitos nús. Mulheres. De um realismo impressionante!
- São mulheres... imortais!
- Tal como eu dizia... vai imortalizar-me, ah ah ah!
- Sim... e bem merece... tem um corpo... perfeito... no momento perfeito...
- Pensei que os artistas olhavam para os seus modelos com outros olhos... olhos... estéticos! ih ih ih se é que isso existe...
- A beleza feminina interessa-me absolutamente. Captar cada pormenor, cada curva suave. Reconstruí-la na tela, dar-lhe vida...
- A avaliar pelas pinturas que tem nas paredes, já pintou bastantes mulheres. Não vende os quadros?
- Estes são de mulheres de 33 anos de idade. Todas elas. Como você. Não, estes não são para venda. Nenhum deles. São "as minhas mulheres". Sabe? são mesmo as minhas mulheres!
- Relaciona-se com as suas modelos? Desculpe perguntar... afinal, não tenho nada a ver com isso. É solteiro?
- Sou. Vivo com a minha mãe... não posso abandonar a minha mãe.
- Pois... Tem namorada! Típico dos pintores: solteiros... namorada... eh eh eh muitas namoradas...
- Não!! Quer dizer, não, não tenho namorada... não posso.... a minha mãezinha...
- 33 anos... porquê mulheres de 33 anos?
- É o momento ideal. É a altura certa. Aos 33 anos a mulher atinge o auge!
- Acha? Olhe que eu já sou assim desde os... 15 anitos!
- Não, não. Aos 33 anos a mulher atinge todo o seu explendor: toda a maturidade, toda a beleza!
- Mas porque não aos... 32, ou aos... 34?!
- Não! não! 33 anos... é o momento ideal para... para ser imortalizada! É uma afinidade cósmica.
- O que é que já está pintado? Posso ver?
- Não! Não pode! Não se mova daí. Foi esse o nosso contrato.
- Ui! Não, claro. Perguntei apenas por curiosidade.
- Tenho uma técnica: Inicio sempre a pintura pelos pés e vou pintando sucessivamente o resto do corpo, as pernas... e por aí acima... já lhe pintei os pés... delicados... com os dedinhos rosados... os tornozelos... as coxas... uma pele de pêssego... suave... perfumada...
- Sabe, acho que estou a ficar dormente. Sinto as pernas dormentes, até às coxas, precisamente. Como se as não tivesse!
- Não se mexa. Agora não se pode mexer. Depois fica bem. Vai ver que depois se vai sentir muito bem... relaxe...
- Não há problema. É uma dormência... doce. Não me magoa. Como eu disse, é uma sensação... como se não tivesse pernas!
- Tem, tem. E lindas, de pêssego...
- Obrigada. Passa os dias aqui? No seu atelier? Não costuma sair? Divertir-se?
- Não posso... a minha mãezinha precisa de atenção constante... este é o meu mundo, divirto-me aqui. Vivo aqui.
- É um pouco solitário, não?
- Não, nem por isso. Tenho a minha mãe, cuido dela, e... além disso tenho "as minhas mulheres"...
- Mas não são reais, são de tela e tinta!
- Não, não! São absolutamente reais! Posso acariciá-las, posso conversar com elas...
-Que estranho...
-Sim?
- Já não sinto o corpo até ao pescoço. Está dormente... mas não de me dói... simplesmente não o sinto... Nem os braços...
- Falta pouco... estou agora a retocar precisamente o pescoço.
-Mas... é que... não sinto o corpo. Não sinto mesmo. Como se não tivesse corpo... até ao pescoço...
- Tem corpo, sim. Um corpo lindo, imortalizado. Para sempre no seu máximo explendor. E só meu...
- Como...?
- Não se preocupe... não mova a cabeça. Estou agora a pintá-la.
- Não consigo. Nem que o queira não consigo movê-la. Talvez seja melhor interromper por momentos... desculpe.... creio que não me estou a sentir bem...
- Está quase, quase... estou a pintar os olhos. Não se assuste... vai deixar de ver...
- Por favor, não me consigo mexer... já não sinto a cabeça, não vejo... por favor ohh POR FAVOR... ajude-me!
- Só mais um pouquinho... deixo sempre a boca para último lugar...
- Socorro! SOCORRO! SOCORR.... ..
- Pronto! A boca sempre em último... gosto de conversar enquanto pinto...

Toc, toc...

- Ah! Entre mãezinha. terminei agora mesmo este quadro. Que acha?
- Pareceu-me ouvir alguém gritar... ia jurar que ouvi uma voz de mulher... a gritar...
- Outra vez, mãezinha! Como vê, estou completamente sozinho...

8 comentários:

Elsa Gonçalves disse...

delírios....
lembrei-me da "rapariga com brinco de pérola"
nunca pintei um modelo, mas tenho pena...um dia experimento. aquele bonequinho de madeira espetado num ferro e sempre em cima da base, de facto, é bué dqa mau!!!!!!!
Gostei da história, Xavier! Que bem te estão as fazer as férias.
Bj
Elsa

DarkMorgana disse...

Giro!
Gostei do imprevisto!!

Apache disse...

Concordo com o Lusitana, o Xavier alterou o estilo da escrita e, assemelhou-a à do Moicano!

xavier ieri disse...

Estão pior do que o mnistro da jestiça: só dizem disparates!

E das três uma: ou não leram o moicano ou não leram o que eu escrevi; ou então percebem tanto de letras como de um lagar de azeite! (esta última é propriedade comum ao mnistro da jestiça que, como já referi em anterior post, também percebe tanto de justiça como de um lagar de azeite...).

Cleopatra disse...

Ai é à Moican é sim senhor!!
E lagar de azeite...mas o Mda J percebe muito bem disso.
Portanto!....

Apache disse...

Ê li o Moican e li o Xavieri e nã percebe nada de lagaris de azête, porrã!
I tambêm nã qéro mesturas co cocó!...

xavier ieri disse...

tsch! tsch! tsch!

Edgar Allan Poe! O verdadeiro, o único e inimitável!
Esse é que é o inspirador, caros amigos.

Mas, ainda assim, digam-me lá (para que eu aprenda mais um pouco) que é que escreve contos apenas com linhas de diálogo?
Sem narrativa.
Fazendo da forma dialogada todo o depositário e sede da construção dos cenários, da caracterização dos personagens, as sucessivas vivências, os sentimentos, etc etc.
Tudo apenas resultante de diálogo.

Não é pelo facto de haver uma historieta com um final imprevisto que existe uma identidade de estilo, ou lá o que é. Não necessariamente.

Foi nesse sentido a minha reacção e observação anterior.

Sendo assumidamente excêntrico, e sabendo eu que 'vocênssias' sabem disso, não estive para me conter e... lá vai disto!!!

Mas, o importante mesmo são as pessoas.

Bem-vindos, pois, a esta vossa casa.
E não se coibam de mandar postas de pescada...
Que também vos faço o mesmo (eh eh eh)
E não se esqueçam do reptozito acima...

Cleopatra disse...

As minhas são congeladas!!!