sábado, julho 15, 2006

FIRST THINGS FIRST

"(...)
Ao ouvir o barullho da máquina do tempo, queixa-se o Papalagui assim: «Que pesado fardo; mais uma hora se passou!»
E ao dizê-lo, mostra geralmente um ar triste, como alguém condenado a uma grande tragédia. No entanto, logo a seguir principia uma nova hora!

Como nunca fui capaz de entender isto, julgo que se trata de uma doença grave. (...)
Suponhamos, com efeito, que um Branco tem vontade de fazer qualquer coisa e que o seu coração arde em desejo por isso: que, por exemplo, lhe apetece ir deitar-se ao sol, ou andar de canoa no rio, ou ir ver a sua bem-amada.
Que faz ele então?
Na maior parte das vezes estraga o prazer com esta ideia fixa: «não tenho tempo de ser feliz».
Mesmo dispondo de todo o tempo que queira, nem com a melhor boa vontade o reconhece.
Acusa mil e uma coisas de lhe tomarem o tempo e, de mau grado e resmungando, debruça-se sobre o trabalho que não tem vontadde nenhuma de fazer, que não lhe dá qualquer prazer e que ninguém, a não ser ele próprio o obriga a fazer.
Quando de repente se dá conta de que tem tempo, que tem realmente todo o tempo à sua frente, ou quando alguém lhe dá tempo - os Papalaguis dão frequentemente tempo uns aos outros, é mesmo a acção que mais apreciam -, nessa altura, ou já não tem vontade, ou já se cansou desse trabalho sem alegria.
E geralmente deixa para o dia seguinte o que podia fazer no próprio dia.

(...)

Encontrei uma única vez um homem que não se queixava de estar a perder tempo e que o tinha de sobra.
Mas esse era pobre, sujo e desprezado.
As pessoas desviavam-se, para o evitar, e ninguém o respeitava.
Não entendi tal comportamento, pois ele andava devagar e tinha um olhar sorridente, calmo e bondoso.
Quando lhe perguntei qual a razão disso, o seu rosto crispou-se e repondeu-me com voz triste:
«Nunca soube empregar o meu tempo de maneira útil; é por isso que não passo de um pobre-diabo desprezado por toda a gente!».
Aquele homem tinha tempo, mas nem mesmo ele era feliz.

(...)

Oh! meus queridos irmãos!
Nós nunca nos queixámos do tempo, amámo-lo e acolhemo-lo tal como ele era, nunca corremos atrás dele, nunca tentámos amalgamá-lo ou cortá-lo em pedaços.
Nunca ele nos deixou desesperados ou acabrunhados.
Se algum de nós há aí a quem falte tempo, que diga!
Todos nós o possuímos em quantidade, não temos razões de queixa.
Não precisamos de mais tempo do que o que temos, temos sempre tempo suficiente.
Sabemos que atingiremos o nosso alvo a tempo, e que muito embora ignoremos quantas luas se passaram, o Grande Espírito nos chamará quando lhe aprouver.
Devemos curar o Papalagui da sua loucura e desvario, para que ele volte a ter a noção do verdadeiro tempo que tem perdido.
Devemos destruir as suas pequenas máquinas do tempo e levá-lo a confessar que há muito mais tempo do nascer ao pôr do sol, do que ao homem lhe é dado gastar.
(...)".

'Discursos de Tuiavii, Chefe de tribo de Tiavéa nos mares do Sul, recolhidos por Erich Scheurmann'

3 comentários:

Elsa Gonçalves disse...

quantas coisas este Tuiavii me fez lembrar.... (se me não faltar o "tempo", prometo contá-las ... por aí, ao Deus Dará)
Lembraste-me sobretudo, que preciso de ler o Papalagui à minha filha, tal como o li aos meus enteados...há uns bons 20 e tal anos atrás.
Acho que não perceberam nada, rigorosamente nada, mas ainda hoje se lembram, mais ela do que ele, dos livros que lhes lia.
Nada hoje me liga a eles ... a não ser as estórias e o "tempo" que passámos juntos, temperados com o afecto que as separações não separam.
Este texto abriu-me uma gavetinha bonita da memória e da saudade.
maria

Apache disse...

Hummm... Anda romântico, Xavier?

Cleopatra disse...

Sabe Xavier é o Papalagui e o Principezinho... Os dois dão-nos lições de vida.