- Não tema. São apenas carangueijos. Olá. Boa noite.
- Boa noite... Não é exactamente temor... arrepiam-me estes bichinhos.
- Há piores. E depois, há coisas bem mais importantes... olhe! Este luar, por exemplo..
- Claro que sim. Sou uma tonta. Amedronto-me por vezes com insignificâncias...
- Bernardo. Bernardo Perofino... permite-me que a acompanhe?
- Bem... sim... vou até ao fim do pontão. Quer vir? Chamo-me Rita.
- Obrigado. Só não digo "até ao fim do mundo", porque seria uma vulgaridade... mas o prazer é meu. Ou também é meu.
- Não diz, mas... diz! Diz sem "querer" dizer...
- É verdade. Apanhou-me. Mas como dizer-lhe que apesar de ter acabado de a conhecer, sinto que... sinto uma enorme afinidade? Sem nome! Empatia?
- Vai ver, está apenas carente... uma fase menos boa...
- Não, não! Pelo contrário. Sinto-me bem com as coisas, com a natureza, com as pessoas. Estou de bem com o mundo!
- Também me sinto assim: de bem com a vida.
- E todavia...?
- É isso: "e todavia...?"... Falta-me algo... alguém...
- Também sinto isso, é o problema da partilha.
- Da partilha! Você é muito engraçado! "problema da partilha"! Mas, sabe...? é mesmo isso. Prefiro, no entanto, chamar-lhe comunhão...
- Ouça o marulhar das ondas contra a rocha... ouça...
- ...
- Imagine que estava aqui sozinha...
- Pois é: Não teria piada nenhuma.
- É a partilha... a comunhão que torna este momento... mágico.
- É a sintonia das emoções... é saber que num momento dois corações se emocionam em simultâneo...
- "Não teria piada nenhuma"... mas estava aqui sozinha!
- Sabe: Tenho um amigo meu, o xavier, que tem um poema que começa assim: "Estou no cais como quem parte / E olho o mar como quem fica /Bebo da lua a nostalgia / E deito ao vento o pensamento". Era um pouco assim que eu me sentia...
- É a natureza humana. De alguma forma a natureza é uma espécie de agente... aglutinador...
- Parece uma maldição!
- Por vezes é... mas acredito na capacidade de regeneração... na vontade... e... por que não dizê-lo? no amor!
- Não é um desiludido!? Isso é bom. Também não tenho ilusões. Não servem para nada. Prefiro... o concreto. Avaliar e... decidir.
- Como eu! Isso dá aos sentimentos a oportunidade de se manifestarem por inteiro e com verdade.
- Oops... desculpe, toquei-lhe na mão sem querer...
- Senti... mas o meu toque foi... por querer...
- Também o meu... menti... nem sei porquê... não há necessidade.
- Não, não há! Rita. Rita! R-i-t-a! Que nome lindo! Só podias ser Rita!
- Eu!? Porquê?! Bernardo! Ber-nar-do!
- Sei lá! Olho para ti e... desde sempre te conheço! Rita! Respiro esta maresia... e cheira-me a Rita! Olhos as estrelas e são todas Ritas Ritas RITAS!!
- Tonto! Bernardo, és tu! Estas ondas suaves, mas cheias, fortes... és tu! Estes rochedos... és tu! Os carangueijos...
- Rita! Não! Os carangueijos não, ah ah ah, os carangueijos não! Nem posso ser! Tu tens medo de carangueijos, lembras-te?
- Não, não tenho! Eu disse que me arrepiavam os carangueijos! E é verdade! Os caragueijos... és tu! Arrepias-me... de medo... de prazer... de emoção... de um sentimento forte, cá dentro do peito...
- De amor...?
- Porque não? De amor!!! Sim! De amor!
6 comentários:
Está melhor assim, Cleo?
Oh, não... Outra Rita, aqui! Também conheço uma que se arrepia com caranguejos...
E o resto do poema, Xavier?
Nada melhor que a paragem, aquela dos dias de trabalho, para fazer boiar à tona de água, na bolina, o melhor do delírio.
E acho que consigo ler-te nas entrelinhas.
Boas ferias, Xavier. Aguardo o fim de semana e alguma quietude. Tenho tantos delírios para pòr em dia.
Bj
maria
O que os caranguejos fazem às pessoas...
Então e o resto do poema?
Também eu!!!
Estou no cais como quem parte / E olho o mar como quem fica /Bebo da lua a nostalgia / E deito ao vento o pensamento"
Eu quero é saber disto.
E quanto a caranguejos,... não me fale de caranguejos.
Já agora... Eu sou apenas escorpião!
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