quarta-feira, novembro 30, 2005

PONTOS NOS ii

Esta é uma espécie de carta aberta ao povo português e aos senhores políticos deste país.

Portugal necessita de, urgentemente, recolocar a justiça nos carris do seu escopo constitucional: Administrar a justiça em nome do povo.

O que, no contexto do estado actual da justiça portuguesa, significa justiça em tempo útil, sem o que já justiça não é.

Como tem vindo a ser repetido, inclusivé por responsáveis políticos, do bom funcionamento da justiça depende o desenvolvimento do país.

A justiça em Portugal, passe o simplismo, é um binómio com dois braços:
- Por um lado, o conjunto das pessoas que directamente produzem actos tendentes à obtenção de uma decisão judicial; de entre estes, os juízes são aqueles que têm a competência e a responsabilidade de administrar a justiça, ou seja, de produzir decisões jurisdicionais.
-Por outro, a Assembleia da República e o Governo. São ambos detentores do poder legislativo (na forma mitigada da repartição de poderes na nossa democracia) e o Governo detentor do poder executivo.

Significa isto que aos juízes cabe apenas a, aliás nobre, exigente e exclusiva, tarefa de julgar.

E, nesta matéria, ainda não vi qualquer estudo ou sequer factos que permitam concluir que o estado da justiça se deva à falta de trabalho dos juízes portugueses (ou dos operadores judiciários).

E, passe o infeliz (que não inocente) episódio do Primeiro-Ministro sobre as férias judiciais, demonstrativo da sua ignorância sobre a matéria, nem o poder político a tanto se atreveu.

Sem favor. Simplesmente sabe que, de facto, na justiça se trabalha e muito. É, de resto, a única forma de tentar ultrapassar aquilo que são as deficiências do sistema: Mais e mais horas de trabalho.

É bem conhecido o facto de os juízes trabalharem, em regra, para além e muito para além de um horário de trabalho normal público ou privado.

Mas é tudo o que os juízes (e também os operadores judiciários) podem fazer: Trabalhar e trabalhar e trabalhar com vista à resolução dos conflitos que lhes são submetidos para julgamento.

Tudo o mais depende da Assembleia da República e do Governo.

Todos os meios materiais, técnicos e humanos dependem do Governo, pelos seus diversos serviços.

Mas isso não esgota a responsabilidade do poder político pela situação, boa ou má, da justiça.

São também a Assembleia da República e o Governo, cada um no uso das suas competências próprias ou partilhadas, quem aprova as leis que regem a justiça, as leis de processo, de apoio judiciário, de formação dos magistrados, estatutárias, etc.

Como também são os responsáveis pela criação de regimes substantivos que, não raro, pela más soluções legais que implementam, são verdadeiras e grandes fontes de contencioso.

Como também são eles que importam de outros ordenamentos jurídicos, institutos jurídicos "novos" e entre nós implementados, não raro e até frequentemente, de forma deficiente;

Como também a própria transposição para a ordem jurídica portugesa do direito comunitário é, por vezes, deficiente.

Deficiências essas que são também fonte de contencioso que, inevitavelmente, chega aos tribunais.

Numa palavra, o modelo da justiça portuguesa é algo que resulta de diplomas legais aprovados pelos órgãos de soberania Assembleia da República e Governo, o que significa que não só os juízes nada podem fazer, nessa matéria, afastada que está das suas competências, como apenas lhes resta (aos juízes) aplicar a lei vigente, boa ou má.

Mas há mais.

Os juízes, como também os magistrados do Ministério Público, como também os funcionários judiciais, como também os advogados, têm sistematicamente apontado as falhas do sistema.

Como têm também mostrado e enfatizado a disponibilidade para cooperar na identificação mais precisa e estudo dos respectivos problemas.

Como têm também apresentado propostas de solução.

Como têm também mostrado toda a disponibilidade para colaborar na elaboração de soluções que sirvam a justiça e a recoloquem nos carris de uma justiça que se quer pronta e eficaz.

E o que tem feito o poder político?

Nada!

N-A-D-A!

Isso porque, entre aquilo que fez e nada a diferença é coisa nenhuma!

Tudo continua na mesma!

De uma vez por todas, é preciso que se saiba que, sem alijar as responsabilidades que eventualmente caibam (e algumas caberão, pontualmente) aos magistrados, aos funcionários, aos advogados, é o poder político, e mais a sua inabilidade e mais a sua incapacidade e mais a sua incompetência, o grande responsável pelo estado actual da justiça em Portugal.

E que bom que era que essas fragilidades (passe o eufemismo) desembocassem apenas em problemas para a justiça.

Infelizmente, a conclusão a que se chega é a de que, numa parte que se afigura apreciável, o país está de rastos devido à actuação política, ou melhor, devido à condução que os senhores políticos, quer da administração central, quer da administração regional, quer da administração local, fizeram ao longo dos anos, sem rumo, sem destino e com muita corrupção pelo meio.

Aos deputados e governantes deste país pede-se apenas que cumpram o seu dever assumido perante os cidadãos, guiados pelo interesse público.

E que o interesse público não seja uma bandeira de pura demagogia agitada vezes sem conta para ocultar sabe-se lá o quê, como o tem feito o Governo.

Toda a gente sabe que a verdade é um bem raro no discurso político.

Em política, o que hoje se diz amanhã desdiz-se; o que hoje é verdade amanhã é mentira; o que hoje se promete amanhã não se cumpre.

Mas, senhores políticos: Façam lá o vosso joguinho politiqueiro; empanturrem-se de demagogia; favoreçam lá as vossas clientelas (todos nós, portugueses sem tacho, cá estamos para pagar a factura); mintam até os narizes sairem pelas escadarias de s. Bento, enfim...

Mas, por favor, em nome do povo que (des) governam, pelo menos em relação a pontos-chave da vida nacional, como é o caso da justiça mas não só, não descurem a governação; a boa governação, entenda-se, em prol do interesse público, com postura e sentido de estado. Com elevação e honradez.

Os juízes cá estão, como sempre estiveram e hão-de estar, para, de harmonia com a lei, dia a dia, em cada tribunal, trabalharem em prol de uma justiça em tempo útil, administrando a justiça em nome do povo.

1 comentário:

AC disse...

Belas palavras, meu amigo! Mas é p´ra continuar como está! Entreter a populaça com a imputação dos problemas aos operadores judiciais, para que tudo se mantenha.
Os políticos e, entre eles, os que estão no poder não têm qualquer interesse em que a justiça funcione mesmo. Porque se a justiça algum dia funcionasse, muitos deles teriam contas, muitas contas a prestar!
http://desgovernos.blogs.sapo.pt/