sábado, janeiro 08, 2011

"O meu cão é um amigo que nunca me deu um desgosto, um apego que nunca me foi um encargo, uma testemunha que nunca me traiu.
Tenho duvidado da minha alma, estudando o entendimento dele.
Tenho presumido que o Criador, arrependido de fazer o homem - esta mescla de orgulho e baixeza, de cobardia e de perversidade, de amor e de ódio - criou o ente, que vaidosamente chamamos irracional, de atributos que nos sensibilizam a alma, levantando-a em raptos de admiração e respeito à Omnipotência que o tirou do barro comum.
Não há respeito social que me impeça de vos dizer que tenho nojo dos homens, e dou aos brutos que não ponham gravata nem comenda, o grande coração que preciso sagrar a algum afeto.
Eu afago carinhosamente um gato, e choraraia se visse pisar uma lesma dessas que se conservam na sua espécie, e não dos outros moluscos que, pelo facto único da sua posição vertical, teimam em pertencerem a uma espécie que a zoologia, ainda pobre em classificação, denomina humana.
Impaciento-me contra os fabulistas que humanizaram os brutos, para dizerem verdades amargas ao homem.
Havia precisão de injuriar uma raposa, imputando-lhe as astúcias traicoeiras de que é susceptível o animal carnívoro, que a mata, chamdo homem, porque a raposa lhe agadanha a galinha que ele quer comer?
Maldito seja o homem que confia no homem! são palavras de Jeremias que viveu à coisa de 2000 anos e passou o seu tempo a chorar a torpitude da sua raça, e da nossa que piorou muito com a excrecência do contrato do tabaco e do sabão, do cobrador da fazenda, e do conselho de saúde.
O demónio para convivência é muito melhor sujeito que o homem.
Não acreditam?
Paciência!".

Camillo Castello Branco
citado in "As mulheres e os Homens julgados pelos Maldizentes", Livraria A. M. Pereira, 1870, p. 139

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