quinta-feira, dezembro 21, 2006

BOAS FESTANÇAS

Ergue a cabeça!
Mais!
Peito pra fora!
Desatarraxa o cérebro e envia-o de férias para o Polo Norte, enquanto há gelo...
Respira fundo.
Isso...
Agora, empanturra-te de felicidade na festança do Menino.
De 31 para 1 fecha-te num sítio barulhento e cheio de catinga.
Empanturra-te de ilusão.
Aliena a tola, pá!
"O bacalhau quéérááálho! lá lá lá lá lá..."
Isso...

Faz tudo isso ou... goza uns dias catitas com a tua ninhada...

Boa Festança!

terça-feira, dezembro 12, 2006

LIBERDADE

Está um dia de sol, cá pelas minhas bandas.
O que é deveras interessante, tanto quanto a chuva no verão.
Lembrei-me de atirar os braços ao sol e ao céu e aproveitar aquele momento-zinho mágico: "Ai que liberdade!!!"

Vai daí lembrei-me do Pessoa, que em 1935 escrevia isto:

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro pr'a ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.O sol doira
Sem literatura.


O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...


Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.


Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha quer não!


Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.


O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca.

quarta-feira, novembro 29, 2006

A MAIORIDADE ABSOLUTA

O Anaximandro é do camandro!
O tipo tem umas idéias fixas e tal.
Até aos 17 anos de idade exercitava a sua hegemónica vontade brincando com um sistema de comboios montado lá na garagem do pai.
Passageiros, agulheiros, ferroviários avulso, andava tudo numa sarabanda do catano debaixo das suas ordens.
E, naquela altura, mesmo o maquinista tinha de calar-se quando ele, o Anaximandro, decidia queimar exemplares da crp na caldeirinha do comboio, alegando fazer co-incineração de resíduios perigosos e com isso introduzir um bom ambiente (o que, em boa verdade, nunca conseguiu, pois naquelas alturas não se podia entrar na garagem com aquela fumaceira toda).

Quando alcançou a maioria absoluta, perdão, a maioridade absoluta, aos 18 anos, a coisa piorou.
Decidiu montar casa própria e, nela, um brinquedo que pretendia ser muito sofisticado a que decidiu chamar TGV.
Chamou os amigos e distribui-lhes tarefas.
Ele, Anaximandro, é agora o maquinista e vá de nomear cobradores, agulheiros, assessores vários e acabou por formar um grupo que muito se divertia nas suas brincadeiras.
O cobrador, sob as ordens directas do maquinista, cobrava não só o preço dos títulos de transporte como também controlava o consumo do combustível (carvão, tá claro!).
O comboio tem uma carruagem de primeira classe e todas as restantes são agora de 3ª, de 4ª categoria e há até umas tantas que dão muito geito embora há muito tivessem deixado de ser usadas em países da América do Sul e em África.
Já as carruagens de 2ª classe desapareceram.
A carruagem de primeira classe está reservada para a equipa do maquinista, amigos, amiguinhos, coleguinhas do partido, coleguinhas do inteiro, conhecidos, afins, interesseiros, administradores não executivos, banqueiros e proxenetas vários do sistema.
Havia um sistema de troca de favores que permitia aos da 1ª classe fingir pagar os títulos de transporte, o que é perfeitamente justo, já que nestas merdas alguém tem de ser importante!
Nas restantes, a populaça, todos trabalhadores nas minas de carvão, peso morto, portanto, verdadeiros trastes que apenas faziam peso ao comboio.
Ah!... e... bem... sempre pagavam, sem apelo nem agravo, os respectivos títulos de transporte, o que permitia ao comboio ir andando...
Embora ninguém percebesse para que é que pagavam, pois apenas andavam às voltas, às voltas, e não chegavam a lado algum...

Mas, é claro, aquelas merdas eram caras comó catano!
"É pá! A máquina gasta carvão comó caralh... (piiiiiiiiii)" disse o cobrador! "E agora?"
"Epá, eu bem disse que a carruagem de 1ª classe era muito grande..."
"Chiu!!!" Sscchh..."
Tá bem! Tá bem!"

No silêncio, todos perceberam que o aumento do preço dos títulos de transporte ainda era a melhor receita, complementada com a venda dos anéis da tia Ermelinda.
Decidiram então aumentar os preços dos títulos de transporte.
Mas não só.
As entradas e saídas, mesmo nos apeadeiros mais concorridos e sem alternativa, foram portajadas e até o bobi foi desalojado da sua casota, por ser considerado privilégio inadmissível.
Claro que o bobi não se calou, ladrando em surdina num passeio alegre que fez em frente da porta da frente da casa.
Deu em nada.

Os passageiros, de brincar, do comboiozinho de brincar, é que não acharam graça nenhuma, pois eram eles que pagavam as suas (dele, Anaximandro) brincadeiras, através do pagamento de títulos de transporte caríssimos.
Houve mesmo quem dissesse: "Ouve lá, ó Anaximandro, nós pagamos bilhetes de primeira a um preço absurdamente alto e temos serviços de 3ª e 4ª categoria, pá!
Autista (que é uma qualidade dos iluminados que atingem a maioridade absoluta) nem se dignou responder, mas mandou dizer pelo chefe da estação que as suas medidas eram inevitáveis e eram as correctas.
Ficaram todos expectantes.

Mas houve quem ficasse muito preocupado com a situação: O bode.
O bode está inconsolável, pois sabe que mais tarde ou mais cedo vai ser apontado pelo maquinista como o expiatório do descarrilamento.
Como se sabe, nas linhas de comboio conduzidos por maquinistas como o Anaximandro, há sempre um pobre dum bode, que será apontado a dedo e apedrejado até confessar, permitindo ao maquinista ser reeleito para nova corrida nova viagem!

E RESULTA!!! E RESULTA!!!

Vivam os chineses!
Sem eles, uma boa parte da população portuguesa (mesmo a mais pirosa!) não tinha p'esentes pro sapatinho.
Mas não é disso que venho aqui falar.
Apeteceu-me dividir a minha constatação matinal.
Quase dois anos de governação das pessoas que agora ocupam as cadeiras puídas do poder (a alternância é a melhor forma de a todos contentar na partilha do bolo) e, finalmente (!):
- A justiça tem, ou está em vias de vir a ter, um enquadramento organizativo judiciário, processual e humano capaz, eficiente e eficaz, perspectivando-se até que possa atingir a excelência em pouco tempo, na exacta medida da governamentalização das suas estruturas de gestão, em fabulosa parceria (ou será uma joint venture?) entre órgãos de soberania;
- A saúde está, ou perspectiva-se que venha a estar, sobre esferas, sem listas de espera, acessível a todos e tendencialmente gratuita como manda a Constituição;
- O ensino, preparatório, secundário, superior está agora, ou daqui a bocadinho, dotado de todos os instrumentos necessários à formação dos jovens para uma sociedade moderna e exigente, sendo a investigação científica o seu ponto forte;
- Os militares, como nunca, felizes com os seus canhõezinhos, puxando o lustro às semi-automáticas, fazendo piqueniques ou passeios alegres, de contentamento e rejubilação pelo bom trato e reconhecimento de que são alvo;
- O cidadão comum e anónimo, contribuinte por natureza, felicíssimo anda, já que, como bom contribuinte, o aumento de impostos e a diminuição das prestações sociais (para as quais contribui pesadamente) são uma fonte de felicidade sem fim (à vista, pelo menos), o que é óptimo para aliviar a despesa da farmácia em xanax e afins;
- Os corruptos e outros grandes criminosos deste país também têm motivos para alegria, pois por muita atenção a estas questões, foi decidido mudar algumas coisas nesta matéria, sobretudo para que tudo ficasse na mesma, o que é uma evidente vantagem, não vá alguém de algum partido político ser apanhado em flagrante deleite, perdão, delito, por má interpretação dos actos ou cabala maquiavelicamente engendrada.

Tudo boas razões, portanto, para nos congratularmos.

Já apelei a Cristo, para vir cá abaixo ver isto (para a partilha, evidentemente).
Ouvi dizer que ele virá na noite de 24 de Dezembro.
Mas, à cautela, enviei um fax a Alá, uma pomba-correio a Buda, e fiz sinais de fumo dali do cimo da Serra da Estrela na esperança de que os espíritos dos antepassados dos índios Cherokee os vejam e venham, todos eles, cá abaixo ver isto.
Porque isto é digno de ser visto!

Só me resta uma pequena preocupação: ainda não consegui vislumbrar totalmente quais vão ser os bodes expiatórios...

quarta-feira, novembro 15, 2006

CARTA ABERTA

Com a devida vénia, permito-me reproduzir aqui um post do Lex Fundamentalis que nos traz uma visão diferenciada do discurso propandandístico oficial.
Para ler e para pensar.
Para não nos comerem as papas na cabeça.

CARTA ABERTA AO ENGº JOSÉ SÓCRATES
Esta é a terceira carta que lhe dirijo.

As duas primeirasmotivadas por um convite que formulou mas não honrou, ficaram descortesmente sem resposta.
A forma escolhida para a presente é obviamente retórica e assenta NUM DIREITO QUE O SENHOR AINDA NÃO ELIMINOU: o de manifestar publicamente indignação perante a mentira e as opções injustas e erradas da governação.
Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia, que ultimamente ganhou forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os funcionários públicos seriam os responsáveis primeiros pelo descalabro das contas do Estado e pelos malefícios da nossa economia.
Sendo a administraçãopública a própria imagem do Estado junto do cidadão comum, é quase masoquista o seu comportamento.
Desminta, se puder, o que passo a afirmar:
1.º Do Statics in Focus n.º 41/2004, produzido pelo departamento oficial de estatísticas da União Europeia, retira-se que a despesa portuguesa com os salários e benefícios sociais dos funcionários públicos é inferior à mesma despesa média dos restantes países da Zona Euro.
2.º Outra publicação da Comissão Europeia, L'Emploi en Europe 2003, permite comparar a percentagem dos empregados do Estado em relação à totalidade dos empregados de cada país da Europa dos 12. E o que vemos? Que em média nessa Europa 25,6 por cento dos empregados são empregados do Estado, enquanto em Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ouseja, a mais baixa dos 12 países, com excepção da Espanha. As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro, respectivamente 32 e 32,6 por cento. Se fosse directa a relação entre o peso da administração pública e o défice, como estaria o défice destes doispaíses?
3º. Um dos slogans mais usados é do peso das despesas da saúde. A insuspeita OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante é de 1458. Em Portugal esse gasto é . 758. Todos os restantes países, com excepção da Grécia, gastam mais que nós. A França 2730, a Austria 2139, aIrlanda 1688, a Finlândia 1539, a Dinamarca 1799, etc.
Com o anterior não pretendo dizer que a administração pública é um poço de virtudes. Não é. Presta serviços que não justificamo dinheiro que consome. Particularmente na saúde, na educação e na justiça.É um santuário de burocracia, de ineficiência e de ineficácia.
Mas infelizmente os mesmos paradigmas são transferíveis para o sector privado. Donde a questão não reside no maniqueísmo em que o Senhor e o seu ministro das Finanças caíram, lançando um perigoso anátema sobre o funcionalismopúblico.
A questão reside em corrigir o que está mal, seja público, sejaprivado.
A questão reside em fazer escolhas acertadas.
O Senhor optou pelas piores .
De entre muitas razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe aponte duas:

1.º Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos têm-se dito barbaridades . Como é sabido, a taxa social sobre os salários cifra-se em 34,75 por cento (11 por cento pagos pelo trabalhador, 23,75 porcento pagos pelo patrão ).
OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS PAGAM OS SEUS 11 POR CENTO! .
Mas O SEU PATRÃO ESTADO NÃO ENTREGA MENSALMENTE À CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, COMO LHE COMPETIA E EXIGE AOS DEMAIS EMPREGADORES, os seus 23,75 por cento.
E é assim que as "transferências" orçamentais assumem perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem formas de sugar os dinheiros públicos.
Por outro lado, todos os funcionários públicos que entraram ao serviço em Setembro de 1993 já verão a sua reforma ser calculada segundo os critérios aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase metade dos activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma década.
Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para artífice das iniquidades que subjazem á sua política o ministro Campos e Cunha, que não teve pruridos políticos, morais ou éticos por acumular aos seus 7.000 Euros de salário, os 8.000 de uma reforma conseguida aos 49 anos de idade e com 6 anos de serviço. E com a agravante de a obscena decisão legal que a suporta ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio fazia parte.

2.º Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e ignorou a economia. Foi ao arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos seus encantos, baixou-os em 4 pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha em 3,2.

3º Por outro lado, fala em austeridade de cátedra, e é apologista juntamente com o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, da implosão de uma torre ( Prédio Coutinho ) onde vivem mais de 300 pessoas. Quanto vão custar essas indemnizações, mais a indemnização milionária que pede o arquitecto que a construiu, além do derrube em si?

4º Por que não defende V. Exa a mesma implosão de uma outra torre, na Covilhã ( ver ' Correio da Manhã ' de 17/10/2005 ) , em tempos defendida pela Câmara, e que agora já não vai abaixo? Será porque o autor do projecto é o Arquitecto Fernando Pinto de Sousa, por acaso pai do SenhorEngenheiro, Primeiro Ministro deste país?
a.. Por que não optou por cobrar os 3,2 mil milhões deEuros que as empresas privadas devem à Segurança Social ?
b.. Por que não pôs em prática um plano para fazer a execução das dívidas fiscais pendentes nos tribunais Tributários e que somam 20 mil milhões de Euros ?
c.. Por que não actuou do lado dos benefícios fiscais que em 2004 significaram 1.000 milhões de Euros ?
d.. Por que não modificou o quadro legal que permite aos bancos , que duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento de impostos ?
e.. Por que não renovou a famigerada Reserva Fiscal deInvestimento que permitiu à PT não pagar impostos pelos prejuízos que teve no Brasil, o que, por junto, representará cerca de 6.500 milhões de Euros de receita perdida ?

A Verdade e a Coragem foram atributos que Vossa Excelência invocou para se diferenciar dos seus opositores.
QUANDO SUBIU OS IMPOSTOS, QUE PERANTE MILHÕES DE PORTUGUESESGARANTIU QUE NÃO SUBIRIA , FICÁMOS TODOS ESCLARECIDOS SOBRE A SUA VERDADE.
QUANDO ELEGEU OS DESEMPREGADOS , OS REFORMADOS E OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS COMO PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE COMBATE AO DÉFICE, PERCEBEMOS DE QUE TEOR É A SUA CORAGEM.
Santana Castilho (Professor Ensino Superior)

sexta-feira, novembro 10, 2006

O GOVERNO LAVA MAIS BRANCO

Este suposto "ataque" fiscal à banca traz-me à memória os anúncios de detergente para a roupa.

Para mostrar que uma coisa é branca coloca-se um branco ainda mais branco ao lado de outro branco.

A comparação induz a nova brancura, ainda mais branca.

O Malevitch fez o mesmo ao pintar um quadrado branco sobre fundo branco.
E também aí sentiu necessidade de diferenciar os brancos, para que ambos se notassem, sendo um claramente mais branco.
Chamou-lhe suprematismo.

Ora, quase um século depois, eis um governo suprematista em Portugal.

E que bem que pinta!

Para mostrar que a brancura da justeza da carga fiscal sobre as famílias é menos "branca", veio agora com o branco mais branco da banca, o que faz até parecer o branco das famílias como um cinzento do tipo rolha (isto é: Cala-te, que há brancos ainda mais brancos! Na banca!)

E, tal como o fez Malevitch, não é necessário que efectivamente o branco da banca seja mais ou tão branco como o branco das famílias: Basta a sua representação! Sim, sim: Representação, pintura, "ceci n'est pas une pipe" do Magritte, lembram-se?
Entendem?
Não?

(Eu sei que os meus posts nem sempre são fáceis...)
(P.S. [salvo seja]: a observação anterior é mera água benta)

A MAIORIA INEXISTENTE

As sondagens publicadas e propagandeadas pelo Governo dizem-nos que a maioria dos Portugueses está com o Governo.

Não vi ninguém colocar esse "facto" em crise.

E todavia, as arruadas de contestação enchem não só as ruas como também as cabeças e os corações de quem é tratado à pedrada, de quem é tratado como se fora má rês, como cabresto a precisar de desanca.

E todavia, nas greves, a adesão é muitíssimo acima dos 50, 60, 70 e até 80% dos trabalhadores.

Comparando as situações, há uma coisa que me intriga profundamente: Quem mente?

Há uma maioria inexistente algures...

terça-feira, outubro 31, 2006

A CAVE DO SUBTERRÂNEO

Embora completamente a despropósito, pois nem sei como agora me lembrei disto, deixem-me que lhes diga que não lembraria ao diabo justificar o não cumprimento da lei em matéria de financiamento por banda dos partidos políticos (e foram todos, porque nesta matéria há unanimidade partidária) com pérolas do tipo:
"são meras irregularidades";
"a lei é muito recente e por isso...".

Também houve quem dissesse que "os partidos têm algumas dificuldades em fazer a consolidação das contas"...
Pois é... porque será??

A minha preferida, todavia, é esta:
"A lei do financiamento das campanhas eleitorais é uma lei muito rigorosa e mais difícil de cumprir do que as anteriores".

Tsch, tsch... que chatice!!

No fundo, no fundo, eu sabia que algum cidadão português haveria de encontrar uma boa justificação para, por exemplo, não pagar impostos.

Na minha próxima declaração de rendimentos nada vou declarar.
Vou apenas invocar o rigor da lei fiscal e a enorme dificuldade que tenho em cumpri-la.

Espero obter o mesmo benefício, evidentemente.

Houve ainda quem dissesse que "concorda que todas as contas devem ser transparentes, claras e rigorosas e está a fazer tudo, do ponto de vista interno, para que a lei possa ser aplicada convenientemente".

Assim, sim.

Ficamos a saber que "para que a lei possa ser aplicada convenientemente" os partidos políticos concordam com a transparência, a clareza e o rigor das contas partidárias.

Meus amigos, há um novo requisito de validade e eficácia da lei: A concordância partidária.

Portanto, agora é assim: Aprovação pelo PAR, promulgação do PR, referenda do PM e concordância partidária!

Podemos dormir descansados!

O SUBTERRÂNEO

Meus amigos, a corrupção profunda, neste país, não pode ser combatida directamente.

Falta de meios?
Falta de vontade política?
Falta de reivindicação de cidadania?
Falta de ...

Não, não e não e não!

Apenas por um único e singelo motivo:

A corrupção neste país é do tipo insidioso!

É uma corrupção difusa de tipo insidioso!

Não há maneira de a combater directamente.

Especialmente porque ela vem, em regra, travestida de legalidade formal, com pezinhos de lã.

E, em regra também, traduz comportamentos por todos nós aceites como "normais".

É um je ne sais quoi.

Ce je-ne-sais-quoi, si peu de chose qu’on ne peut le connaître, entranha-se até aos ossos da coisa pública e suga-lhe o tutano.

O nosso tutano.

Enfim...

quinta-feira, outubro 26, 2006

SE BEM QUE NEM POR ISSO NEM POR TÃO POUCO

Ok! Ok!
Já percebi!

Ou me dedico aqui aos jogos florais ou fico sem "clientela"...

Sim, porque isto de zurzuir nas orelhas do poder não traz popularidade a ninguém, especialmente perante políticos de tão elevada... elevada... firmeza! Isso! Firmeza e capacidade para... para... para, brava e corajosamente, bater na cabeça dos pequenos e nas costas dos grandes.

Mas, agora reparo, lá vou eu novamente!

Chiça!

Já chega!!!

Até porque houve em Portugal quem se tivesse dado muito bem na vida, sem um tostão furado.

Para o provar e para desanuviar, embarcando desde já na cena-dos-jogos-florais-interessantes-que-põem-toda-a-gente-bem-disposta, aqui vai:

SONETO DO EPITÁFIO

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".

BOCAGE

terça-feira, outubro 24, 2006

CONFISSÃO

Eu devo confessar que o meu verdadeiro nome é... Cândido!
Cândido da Purificação Sonsinho e Aparvalhado, também conhecido por xavier.
Se não é o meu nome, é, pelo menos, como me sinto.
E este blog é a minha manifestação de loucura e de revolta.

Assumidamente excêntrico.
Antes que estoire!
E pensar que milhões de mães pariram milhões de filhos para isto.
"Isto", é a merda em que este país se afunda!

Devo confessar ainda que estoirar aqui permite-me ali (no meu local de trabalho, como também enquanto cidadão) produzir o máximo e o melhor que posso e sei.
Porque disso não abdico!
Eu faço, sempre procurei fazer, proponho-me continuar a fazer, e seguramente farei, a minha parte!
Para que conste...

VÃO MAS É TRABALHAR, PRIVILEGIADOS!!!

A culpa da situação do país, dizem, é dos privilégios e dos privilegiados.

E se os políticos o dizem é porque é verdade!

Aliás, uma boa parte da população papou esta hóstia consagrada à demagogia e sente agora, certamente, profunda satisfação interior por terem sido abençoados na sua pobreza de espírito.


Amén.

Portanto, não subsiste dúvida de que a culpa do estado depauperado do país é:

- dos juízes e dos seus "privilégios", a saber, as férias judiciais (as dos processos, entenda-se, pois as férias das pessoas que trabalham nos tribunais é igual á da restante função pública, mas para piror, já que não podem gozar férias quando querem mas apenas quando a lei permite!) e o sistema de saúde SSMJ que não onerava o Orçamento do Estado. Eram estes (pelo menos foram os únicos "privilégios" atacados pelo Governo) "fabulosos" "privilégios" que derrotavam o país!

- dos médicos e dos seus "privilégios", "privilégios" que eram formas de sustentar um sistema de saúde de administração obsoleta, desajustada e decrépita, incluindo a formação de novos médicos (ou a sua falta!)!

- dos professores e dos seus "privilégios" que são... que são... sei lá, alguns hão-de ser, pois então! Olhem por exemplo, querem ser dignificados enquando professores! Pode lá ser tamanho privilégio!?

- dos reformados com rendimentos de 500 e poucos euros, esses filhos-da-mãe-privilegiados-que-engordam-á-nossa-custa-malandros-e-tal!

- dos deficientes, outra cambada-de-privilegiados-chupistas-malandros-e-assim!

- dos funcionários públicos, especialmente aqueles admitidos para trabalhar sob as ordens de uma hierarquia de quadro inflacionado pela necessidade de os partidos políticos ali colocarem as suas clientelas! Funcionários públicos sim, essa cambada-de-privilegiados-despesistas-que-se-auto-nomearam-indiscriminadamente-e-se-multiplicaram-completamente-à-revelia-das-chefias-que-nunca-realizaram-um-concurso-de-admissão-de-pessoal-na-vida-por-sua-própria-vontade-e-a-mando-sabe-se-lá-de-quem-mas-que-interessava-e-muito-a-certas-clientelas-vejam-lá-os-senhores!!!

- e, já agora, do Josefino Mortalha, esse janado freek das cidades, mas também perdido e achado nas vilas e aldeias, um autêntico "privilegiado", malandro-por-não-ter-aproveitado-as-belíssimas-oportunidades-que-este-país-tanto-se-esforçou-por-alcançar-e-oferecer-a-cada-jovem-nesta-sociedade-justa-e-equilibrada!

Oh! Cristo!
Vem cá abaixo ver isto!

O PAÍS DAS MARAVILHAS - I

Portugal é um país pobre?

Não!

Portugal é um país empobrecido!

Qual a raiz do empobrecimento, grosso modo (e passe o maniqueísmo)?
Os chamados trabalhadores?
Talvez.
Os empresários?
Talvez.
Os políticos dirigentes do país?
Definitivamente, sim!

Os trabalhadores já provaram que sob a batuta adequada produzem e bem, tal como os estudantes estudam e obtêm resultados, como se verifica, em regra, com os nossos emigrantes espalhados por este mundo.
Não me parece que sejam eles, ou exclusivamente deles, a culpa da crise.

Os empresários, na pureza dos seus empreendimentos, dos seus negócios, também se não afiguram responsáveis.
Mas já o serão quando, num jogo de interesses à margem, partilham, fomentam, aceitam, as corruptelas de um sistema que tem primado pelo compadrio, pela chico-espertice, pela subsidiação em detrimento da produção, pela inação em favor da subsidiação ou mesmo em vez da produção, apenas porque nada fazer é também subsidiado.

Os políticos, esses sim, os políticos mais a sua incapacidade, a sua incompetência, as suas clientelas, os seus partidos sempre famintos, os seus jogos de poder, são sem dúvida os grandes responsáveis pela situação do país.

Acredito na democracia, enquanto sistema político moderno capaz e conforme aos valores humanos que as modernas sociedades ditas civilizadas adotam.

No entanto, em Portugal, por fenómenos ainda por explicar pela ciência socio-político-cultural, mas identificáveis nos seus sinais de exteriorização, a governação tem sido desastrosa, favorecendo grupos sociais bem definidos e desfavorecendo outros, num jogo político quantas vezes sujo, corrupto, desvirtuado no seu escopo fundamental, o interesse colectivo ou público.

O actual Governo não foge a essa lógica de desvirtuamento dos valores essenciais da nossa sociedade.

O PAÍS DAS MARAVILHAS - II

Quem paga a crise?

Sendo Portugal um país empobrecido, significa que a maioria da sua população está empobrecida.

Por outro lado, entende o Governo que a economia só pode recuperar com maior investimento privado e correspondente aumento das exportações, ou seja, com criação de riqueza, como de resto qualquer manual elementar de economia consigna.

Vai daí, entendeu por bem colocar sobre os ombros já doridos da maioria (os pobres e os empobrecidos) o pagamento da factura do défice das contas públicas e da crise resultante maxime da sua (des)governação ao longo destes anos de chamada democracia.

Ou seja, o trabalho que pague a crise.

Já sobre as empresas e sobre o capital, pelo contrário, aligeira-se o peso da factura.

Tudo em nome de uma coisa chamada recuperação económica.

Mas não se vislumbra qualquer garantia, ou sequer expectativa de que tal venha a acontecer naquela mesma medida em que é pressuposto de decisão política.

Pelo contrário! Estamos é habituados à chico-espertice nacional, ao compadrio, à dependência de subsídios, benefícos vários, que, também aqui, porventura conduzirão à maximização do desfrute da situação favorável criada, mais do que ao investimento e consequente crescimento do país.

Assim, numa sociedade que é suposto organizar-se em torno de valores como a dignidade da pessoa humana e empenhar-se na construção de uma sociedde livre, justa e solidária, acontece exactamente o contrário:

Os ricos, ou seja, o capital cada vez mais favorecido, com o fundamento do fomento do investimento, da produção e do crescimento.

Os empobrecidos, sem voz e sem vez, a pagarem a crise, não do seu bolso já miserável, mas da sua própria dignidade.

Por algum motivo atendível?

Não!

Apenas porque são em maior número, o que multiplicado por euros dá milhões para tapar os buracos que os políticos abriram!

Com o bónus de não se afrontarem os poderes instalados.

É do caraças!

ÀS VEZES M'AVERGONHO

Em anterior post concluí ser política deste Governo:

O trabalho que pague a crise.
Já sobre as empresas e sobre o capital, pelo contrário, aligeira-se o peso da factura.
Tudo em nome de uma coisa chamada recuperação económica.

Julgará o Governo que é com uma minoria endinheirada que compra produtos importados, mas de recorte económico acima da média e de luxo, e com uma maioria empobrecida que igualmente consome produtos importados, mas da china, julgará o Governo que é assim que recupera a economia?
Será que a massa de pessoas, embora de fracos e médios rendimentos (corresponentes ao rendimento fraco em qualquer outro país europeu), não é também um factor a considerar na recuperação económica?
Ou são apenas o bombo da festa? "Porrada neles, que não servem para mais nada!"
Hoje como ontem, o Zé Povinho é desconsiderado, é maltratado, é espezinhado e os maltratantes, os espezinhantes seguem impávidos e serenos a privilegiar, aqui sim, os que bem entendem, sempre em nome da diminuição do défice das contas públicas e da recuperação económica.
Mais uma vez, medidas contra as pessoas, neste caso, mais grave ainda, porque atinge sobretudo os já de si mais desfavorecidos.
Que vergonha!

sexta-feira, outubro 20, 2006

PÉROLAS DA (DES)GOVERNAÇÃO

Diz o Ministro Correia de Campos:
"A criação da taxa de internamento dará qualquer coisa que não chega a dez milhões de euros.
É muito pouco, mas é simbólico, porque valoriza o acto [médico], responsabiliza o paciente e o prestador.
".

Ficamos, portanto, a saber que a taxa de cerca de 5 euros por dia de internamento não constitui receita decisiva para o bom funcionamento da saúde.

Ficamos também a saber que serve apenas para valorizar o acto médico!!!!

Valorizar o acto médico???????

E para responsabilizar o paciente!!!!!!

Responsabilizar o paciente???????

E responsabilizar o prestador!!!!

Responsabilizar o prestador??????

Alguém me explica como uma taxa de internamento valoriza o acto médico?

O que é "valorizar"?

Ou como responsabiliza o paciente, se nem depende do paciente ficar internado?

Ou como responsabiliza o prestador se o internamento nem sequer é pago por ele? E sendo a receita "simbólica" para o serviço de saúde nem sequer fica onerado com o encargo ao menos "moral" de melhor prestar os cuidados de saúde?

Será que os Portugueses estão todos taralhocos a ponto de "engolirem" estas 'bacoradas'?

Será que o Ministro da Saúde não percebe duas ou três verdades simples?

Primeira: O sistema público de saúde é utilizado por quem tem menores recursos financeiros (quem tem recursos financeiros suficientes não vai para filas de espera em hospitais e afins);

Segunda: Cinco euros por dia de internamento, contabilizando até 14 dias, é muito dinheiro para os orçamentos magros da maioria das pessoas que utilizam o serviço nacional de saúde;

Terceiro: Em contrapartida, essa taxa nem sequer serve para melhorar o serviço de saúde: Diz sua excelência que serve para "valorizar o acto médico"!!! e também para "responsabilizar o paciente"!!! "e o prestador"!!!.

Mas está tudo louco neste país?

E que tal o Primeiro-Ministro e cada um dos ministros deste país, a começar já por este Governo, pagarem uma taxa a cada português com rendimento abaixo do rendimento médio da Irlanda ou da Grécia (que começaram atrás de nós), do seu próprio bolso?

Uma taxa simbólica!

Porque certamente assim se valorizava o acto político e se responsabilizaria o prestador político e o paciente cidadão português!

JORNALEIROS

"...e quando não souberes, calas-te!"
Disse-me o meu avô, com ar grave.

E eu levei aquilo a sério.
No plano institucional, obviamente (percebi anos depois).
Já que em sede de conversa da treta todas as ignorâncias são benvindas, pois dessa conversa são elas a matéria-prima.

Vem isto a propósito da onda de desinformação que se abateu sobre os juízes, os magistrados do Ministério Públco, o sistema de justiça de uma maneira geral, pela mão do actual (des)Governo, logo desde o início.
E ainda hoje, a informação nos media sobre questões de justiça ou sobre casos reais em curso judicial é, em regra, um amontoado de asneiras, de palpites, de 'bitaites', de ignorância confrangedora, enfim, de conversa da treta. Mas na versão sem graça.
Numa outra vertente, esta bem mais sabidolas e com fonte certa, o problema surge quando se pretende vender gato por lebre, ou seja, quando a "ignorância" (passe o eufemismo) vem travestida de rigor informativo, pela pena de jornaleiros (não, não é gralha: jornaleiros = os que andam à jorna).
Como em tudo, não se pode generalizar.
Por isso, vivam os jornalistas deste país. Que os há!

segunda-feira, outubro 02, 2006

DE BOAS INTENÇÕES... ( o texto é duro, mas este blog é excêntrico...)

Finalmente alguém diz o que é preciso dizer sobre a reforma da Administração Pública: "Primeiro temos que saber o que é que queremos que a Administração Pública preste à sociedade. E só depois, saber quais os recursos a utilizar e os locais onde há gente a mais e a menos" (Luís Fábrica in Correio da Manhã de 01/10/2006)

Nem mais!

Questão outra é saber se há cojones para operar essa mudança.

A Administração Pública é uma gigantesca rede de pequenos e grandes poderes, susceptíveis de viabilizar ou paralisar qualquer actividade, qualquer procedimento em curso.

Pode ser, se houver engenho, arte e, sobretudo, VONTADE, uma arma pro desenvolvimento.

Pelo contrário, pode continuar a ser uma ratoeira na qual o desenvolvimento tropeça e cai, se movida por interesses tão escusos quão complexos ou de complexa textura subterrânea.

Quando se descobrir por completo que uma boa parte dos procedimentos e passos procedimentais que a Administração Pública actualmente adopta, embora formalmente no cumprimento de lei substantiva, não são necessários a uma boa administração, logo se perceberá (como já aqui e ali se percebeu) que a primeira linha da reforma da Administração Pública passa pela reforma das leis substantivas (e adjectivas, certamente), daquelas mesmas leis que exigem pareceres, vistos, carimbos, deferimentos, assentimentos, preenchimentos, formulários, cartões, declarações, e mais umas dúzias de outras tantas inutilidades burocráticas que, precisamente, de nada servem mas apenas para a manutenção dos poderes das capelinhas.

Poderes laboriosamente tecidos ao longo de décadas ainda da outra senhora e ao longo de décadas gulosamente aproveitados pelos sucessivos governos ditos democráticos.

Mas, é claro, perspectiva-se haver uma enorme distância entre o que de boa fé e ciência feita diz Luís Fábrica, embora sob encomenda do poder quanto à reforma, e o que o executivo irá previsivel e efectivamente pôr em prática.

A perna será, infelizmente, bem mais curta do que o passo a dar!


É que não estou a ver que de um momento para o outro se despromovam a cabos e sargentos os majores das capelinhas.


Nesta teia que é a Administração Pública, boa parte das suas chefias vive em perfeita simbiose com o poder sufragado.


A governamentalização das estruturas e instituições públicas não é coisa espúria à nossa so called democracia.


E mesmo que
numa parte se alcance uma reforma com a profundidade denunciada por Luís Fábrica, restará previsivelmente uma outra substancial parte, que se destinará, como sempre, aos boys do sistema.

Haverá, pois, uma aparência de reforma.

Tal como tem havido, em inúmeras áreas, entre elas a da justiça, uma aparência de reforma.

Previsivelmente, o Governo colherá a glória de uma dita reforma feita com "grande coragem", contra os "poderes corporativos" e os "privilégios instalados".

Mas, tudo espremido, é limão de onde não sai sumo.

E os Portugueses, que nos últimos tempos parecem não ter coragem para muito mais do que olhar para o seu próprio umbigo, admiram, na sua cobardia, a putativa coragem de um Governo que diz mais do que efectivamente faz, um Governo fanfarrão, sabidolas, capaz de travestir de "reforma de coragem" as mais abstrusas medidas governativas, de que é exemplo uma boa parte do que se vem assistindo na Justiça.

A Administração Pública é um aparelho demasiado precioso para qualquer partido político no governo ou com aspirações a governo, para que seja reconduzida à sua expressão e condição de simples e mera Administração Pública.

Isto digo eu.


Cada um que pense pela e com a sua própria cabeça.

sábado, setembro 30, 2006

QUE MERDA!

Paira no ar (no meu ar, pelo menos) o desencanto.
A tristeza.
Não são apenas os dias cinzentos das primeiras águas.
É a cinza pestilenta de um certo "ser português".
Parece uma maldição.
Lê-se, vê-se, ouve-se em todo o lado.
E, como dizia a Sophia, não podemos ignorar.
Não é bom nem é mau.
Nem sei se poderia ser melhor.
Pior pode sempre.
É apenas a consciência profunda, oriunda da realidade patente que nos entra pela cara adentro, de que o José Gil tem toda a razão.

Todavia, alienamo-nos constantemente.
Negamos a realidade, na crença de que o pensamento positivo é o melhor remédio.
Na crença de que são as nossas maleitas idiossincráticas que nos derrotam.
Na crença de que provavelmente esta núvem que me despeja água em cima é produto da minha imaginação.
Será.

Acreditamos, porque queremos acreditar, porque devemos (?) acreditar, na bondade das pessoas, das instituições, até das coisas...
E nos nossos relacionamento pessoais podemos (quiçá devemos! De qualquer maneira , é o que nos resta!) confiar nas pessoas. Individualmente.

No mais, o colectivo é um desastre.
As instituições são, em regra, um desastre.
Não há uma estratégia e um desígnio nacional.
Há uma deriva, parece ter sempre havido, uma deriva ao sabor das marés e das correntes dos interesses vários.
Descobrem-se, a cada passo, trafulhices, falcatruas, mais 40 administradores que ninguém conhecia, mais 15 administradores a ganhar fortunas, pagos pelos nossos impostos sem nada produzir, apenas tacho, tacho e mais tacho (apenas um pormenor...).
O que um Governo faz, outro a seguir desfaz.
As lógicas dos interesses pessoais e partidários acima do desígnio colectivo.

O Governo está preocupadíssimo em tapar uns quantos buracos no espalhador do regador com que rega os canteiros da educação, da saúde, do equipamento público e outros essenciais que tais.
Chama-lhe controlo orçamental.

Mas, sendo visíveis os inúmeros buracos ao longo da mangueira de rega, ignora-os, sendo certo que desses buracos sai quantidade substancial de água clandestina.
Que canteiros são regados com esta água clandestina?


Há quem escreva pérolas destas: "É uma sorte para Portugal ter um Governo que não está submetido aos grandes interesses e que actua de acordo com o interesse nacional" Emídio Rangel na Focus de 27/09/2006.

Que sorte!!!!

Pois que outra coisa pode fazer um governo?

Pelo visto, em Portugal pode fazer tudo!

A nossa sorte é haver agora um Governo que actua de acordo com o interesse nacional!

FINALMENTE!!!!!!!!!!!

Seja lá isso o que for...

É de ir às lágrimas.

...uns de riso.

...outros de choro.

Naturalmente.

quarta-feira, setembro 27, 2006

E O SILÊNCIO...

Eu compreendo.
Também me acontece.
Quantas vezes, perante certas realidades, eu fico com a voz embargada...
E o silêncio é a minha escapatória.
Mas não a minha resposta.

segunda-feira, setembro 25, 2006

AINDA AS FÉRIAS NHEMMM... MESMO FÉRIAS!!!

Espantava-se uma querida amiga um destes dias:

- O Quê?! Ora, repete lá!

- É como te digo!

- Mas tu és juiz, caneco! Ainda por cima é uma actividade a tempo inteiro e extremamente esgotante...

- Sim, eu bem o sei... mas sou juiz apenas na vertente da prestação de trabalho, mas já não na vertente remuneratória onde sou considerado apenas estagiário, apesar de ter terminado o respectivo estágio em 31 de Dezembro de 2003 (três)...

- Ora diz lá outra vez!!!...

- É como te disse: Nos últimos dois anos, férias para mim é simplesmente não trabalhar e ponto final!

- Tu vais rebentar... ai vais, vais!!!

SE ME TIVESSEM DITO QUE IRIA SER ASSIM...

Hoje é Segunda-feira, dia 25 de Setembro de 2006.

Ainda hoje, cerca de 80 juízes da jurisdição administrativa e fiscal são remunerados pelo índice de base (índice 100) correspondente ao vencimento de juíz-estagiário.

Todavia, este grupo de juízes:
- que sofre a responsabilidade de exercer as suas funções em matéria completamente nova;
- que viabilizou a implementação efectiva do novo contencioso administrativo;
- que julga matéria que anteriormente era da competência do Supremo Tribunal Administrativo;
- que desde o primeiro dia julga todo o tipo de acções sem qualquer limite ou condição, pois que ocupam lugares (todos estes juízes!) do quadro de tribunais de círculo;

este grupo de juízes continua com o estatuto remuneratório de juiz estagiário.

Extraordinário é o facto de terem terminado o seu estágio no dia 31 de Dezembro de 2003 (dois mil e três!).

Extraordinário é o facto de terem sido nomeados juízes efectivos no dia 1 de Janeiro de 2004 (dois e quatro!)

Os tribunais da jurisdição administrativa julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam.

E ao mesmo tempo que julgam a Administração na apontada vertente, são gato-sapato nas suas mãos... são tratados como farrapo inútil... como um fardo... um verbo de encher... como carne para canhão...

Sim, sim, acções judiciais em tribunal também as intentámos.

Como todos os outros, obviamente e como não podia deixar de ser, também esperamos (melhor sentados, para não nos doerem os pés de tanta espera).

A República Portuguesa é um Estado de direito.

Democrático.

Diz a Constituição!

Mas alguém duvida???

Eu que saiba!!!

ENTÃO CALA-TE!!!!

Alguém duvida que o Estado Português é uma pessoa de bem???
Eu que saiba!!!
Então onde é que está o problema?
Como disse???
As pessoas???
Sim, sim, claro! Nas pessoas!!
Hitler, Staline, Mussolini, Franco ou mesmo o caseirinho Salazar foram pessoas determinantes de um certo Estado e de um certo estado de coisas.
Sim, sim, acho que sim, mais do que a Constituição e as leis, as pessoas são determinantes.
Não é por acaso, certamente, que a Constituição de 33 era e é considerada uma Constituição semântica (qualquer manual de ciência política no-lo diz).
Ninguém fala disto, ou melhor ninguém quer falar disto.
Mas eu formulo, ainda assim, a questão: A Constituição de 76 não apresenta já, em elevado grau e variadas áreas, sinais de transformação numa Constituição semântica?
Ou será que ninguém utiliza o serviço nacional de saúde?
Ou será que ninguém utiliza o sistema público de ensino?
Como disse??
Ah! Sim!
Isso só vale para os que pagam impostos... Pois!
E de entre esses devem ainda excluir-se os do tacho... Claro!
...desculpem lá... tinha-me esquecido desses promenores...
Estado.
De Direito.
Democrático.
Soa bem.
Somos mesmo modernos, evoluídos, civilizados.
Há é gente que nunca está contente com o que tem.
É uma cambada é o que é!
Está explicado o mistério...

sexta-feira, setembro 15, 2006

CHIHUAHUA

Já me cansam os seus escritos de denunciada encomenda (ou de prometida comenda!).
Com o devido respeito, aparenta semelhanças comportamentais a um chihuahua atiçado por um qualquer ressabiado travestido de maioria absoluta.

E nem sequer é vital!
Já foi.
Para mim, pelo menos.
Quando na minha ingenuidade laparosa (ainda hoje se faz sentir, quantas vezes! maldito idealismo!) eu acreditava na pureza dos santos... da academia e na sua castreja verticalidade.

E também não é, sei lá, por exemplo uma moreira, pois que já nenhum fruto dali procede, de tão espinhados ramos.

A esterilidade vai ocupando o lugar da verve científica.
Resta o cãozinho pela trela de um ressabiado.
Aparentando um chihuahua, ninguém verdadeiramente mostra receio daqueles dentes pequeninos.

Mas o seu ladrar insistente mostra-se tão estridente e irritante quanto a sua irrelevância.
É o tipo de cão capaz de morder a mão que o alimentou.
Assim será, especialmente quando o dono ressabiado entender que ele já não merece a comida que come.
Quando entender que o deve mandar abater em favor de um doberman de dentes maiores e mais afiados.

Enfim, isto digo eu... não mais do que idiossincrasias de quem vai de carroça na caravana que passa...

quarta-feira, setembro 13, 2006

NADA A DECLARAR

Desculpem lá, caros amigos, mas continuo a entender que quando nada há para dizer, mais vale não dizer nada.
...e ainda assim, quando se pensa ter algo a dizer, quantas vezes nada se diz!

Haverá, certamente, muito para dizer.
Tanto, que nem sei por onde começar.
Tanto, que se me embarga a escolha.

Outras vezes, pese embora o muito que há para dizer, afigura-se estar tudo dito.
Noutras ainda, é o cansaço da repetição.
Sim, porque no fundo, no fundo, andamos todos a dizer as mesmas coisas, todos os dias.

Ainda assim, diz-se, e bem, que o silêncio é de ouro.
Este silêncio.
Não o silêncio da conformação e da desistência (seja de que natureza for!).

Num blog, afigura-se que o silêncio pode induzir uma percepção de desistência, de abandono, de desinteresse.
Pode ser.
No caso, não é.

Desistência, abandono ou desinteresse será quando expressamente dito ser.

No mais, é apenas ausência de escrita.
É silêncio.
Que pode até ser de ouro.

Gratificante, sem dúvida, é perceber o interesse dos caríssimos leitores.
Obrigado.

quinta-feira, agosto 31, 2006

NOVA CORRIDA NOVA VIAGEM!

Das entranhas do cavalo de ferro já se sente o calor da fornalha.
E a minha cara a afoguear-se com o reavivar do coque.
Chego-lhe umas pazadas de carvão.
Ora toma lá, pançudo dum catano, aquece a malvada da caldeira que amanhã já marchas por esses tribunais afora, papando processos logo ao pequeno almoço!

Tuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii................

tchuk tchuk tchuk tchuk tchuk tchuk tchuk tchuk tchuk

Tuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiuuuuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...................

quarta-feira, agosto 23, 2006

FÉRIAS, MESMO MESMO FÉRIAS!!!*

- Ouve lá, sabes onde é que há férias mesmo férias; férias nhemmmnn... mesmo férias-férias?
Aquelas férias tão férias que tu olhas para elas e dizes "Epá estas férias são mesmo férias!"?
Férias que são tão férias que até chateia de tão férias que são?
Porque queres fazer férias e nem consegues deixar de as fazer porque são férias mesmo férias, as marotas?
Sabes onde é que as há?
SABES?

Mnistro da jestiça: - sei... (shuif, shuif...)

- Então, CALA-TE!!!!


(* matriz do Gato Fedorento sobre chamadas telefónicas grátis)

segunda-feira, agosto 21, 2006

FÉRIAS, MESMO FÉRIAS!

Nunca pensei poder vir a concluir isto:
- Que bem fez o Ministro da Justiça ao encurtar o período das férias judiciais de verão!
-Oh! Que ricas férias-férias!!!
- Keep it that way, Minister! Oh, please, please, please, PLEASE!

domingo, agosto 13, 2006

RECANTOS DA MINHA MEMÓRIA - V - AS MENINAS DO CALEMA

Vindo do Tamariz, contornava-se o paredão da baía e dava-se de caras com a Capitania do Porto.
O Lobito era, e é, uma cidade portuária, com a importância estratégica que lhe era conferida pelo terminal da linha do caminho de ferro de Benguela.
A Capitania não ficava longe da peixaria do Zé Maria, junto da qual todos nós morávamos.
Em frente da Capitania havia uma velha vivenda de estilo colonial, com uma cave de janelas ao nível do chão, por debaixo da varanda larga que a circundava, e um telhado de telha cerâmica, vermelha.
Os pilaretes, finos, que suportavam o telheiro da varanda, bem como o varandim, eram pintados de branco.
Era ali que moravam as "putas" do Calema (como eram conhecidas em certos meios).
Era a sua casa, reservada apenas a habitação.
O Calema era uma boîte, um club nocturno, na zona das docas, com espectáculo de strip tease e afins que, para além dos néons vermelhos, costumava anunciar os seus espectáculos com cartazes de cores brilhantes colocados de um e outro lado da porta.
Isto sabiamos nós. E nada mais.

Em certas manhãs víamos chegar as moças, depois do trabalho nocturno, lindas, mulheres pintadas, altas, de pernas altas !
Vinham numa carrinha, um furgão VW conduzido por um mulato mal encarado.
Ali sentados no friso do muro da Capitania era como se não fosse nada connosco, mas a verdade é que ninguém perdia pitada!
Trabalhavam por turnos, pelo que havia sempre gente naquela casa durante o dia como também durante a noite.
Acicatados pelas hormonas dos 12 anos, os risos que à noite se furtavam pelas janelas da vivenda povoavam a nossa imaginação e transformavam-se em chamamentos irresistíveis.
A curiosidade tomou conta de nós, de cada um do nosso grupo. Dos rapazes, claro. A participação das meninas do grupo era confinada a certas andanças. Noutras, como esta, eram "coisas de homens"!

- Ouvi dizer que elas tomam banho, nuas, ali na cave... - Confidenciou o Nicolau com os olhitos a brilhar.
- Claro que tomam banho nuas! Tomavam banho vestidas?
- Não é isso, pá! é que tão mesmo nuas ali, tão ali! Nuas!
- Nuas nuinhas?
- Nuinhas! Juro!
- Chiiiçaaa!!
- Ena pá!!!
- E são lindas! Com mamocas e tudo, ali... eu já vi!
- Mentiroso!
- Viste nada! Viste onde? Hem? Onde? Onde??
- Vi, vi juro que vi... uma vez espreitei pela janela e vi uma a vestir-se... tava nua... a vestir-se... e eu vi!
- Oh! Ena pá!
- Pela Janela? - Interessou-se o Alexandre.
- Yah! Pela Janela! A janela da cave, ao pé da bananeira...
O silêncio denunciava a velocidade da cabeça de cada um: A cem à hora.
- A que horas é que chegam as do dia?
- Chegam já de noite... praí às... 10 horas...
- ... e vão tomar banho...
- ... e já não há sol...
- Pois não, mas há dois candeeiros na rua mesmo em frente da casa... não dá, pá, vê-se tudo...
- Vê-se tudo, nada! Estão lá as bananeiras e podemos esconder-nos lá.
- Tá bem, tá bem, mas o problema é chegar até lá... como é que se atravessa o jardim sem ninguém nos ver??
- Já sei!
- Já sabes? O quê?
- Já sei como entrar!

O plano era bom. Iniciava-se com o suborno - um belo osso - do boxer da casa da pitanga, a passagem pelo quintal da Srª Felismina - cuidado com as galinhas e com o ouvido da senhora, que era fino! - e continuava pelo muro velho, um muro de adobe que terminava na parede mais recuada da casa do Calema.
Rastejar até às bananeiras, em frente das janelas da cave não oferecia qualquer problema.
Se bem o pensámos, melhor o executámos!
Às 10 da noite, a cambada do costume - eu, o Alexandre, o Nicolau, o Fanadinho, o Alforreca, o Tito, o Gramaxo - esgueirámo-nos pelos muros e pelos quintais, descemos ao jardim da casa do Calema e instalámo-nos entre as bananeiras.
Na casa, rumores vagos. As janelas da cave, rasgadas, não se mostravam iluminadas.
- Viemos cedo de mais...
- Sssshhhh... tão a chegar, tão a chegar!
Ouvia-se a algaraviada que as moças faziam lá à frente, acabadas de sair da carrinha, os risinhos, bater de portas, conversas...
Chegámo-nos à frente e espreitámos pela janela. Nada!
- Vamos esperar, malta! É aqui que elas tomam banho. Eu sei que é aqui! Afirmava peremptório o Nicolau.
Os corações batiam desalmadamente no peito.
Era demasiada excitação. Pelo proibido, pelo clandestino, pela intromissão desautorizada, pelo medo, pela expectativa dos corpos nús...
Nisto, alguém acendeu a luz e a janela ficou toda iluminada.
A metade inferior da janela era de vidro fosco, mas a metade superior era de vidro transparente. Sem cortinas.
Era autêntico cinescope 70mm.
Deitados na relva, pois as janelas estavam ao nível do chão, bastava levantar a cabeça acima do vidro fosco.
Lá vinham elas!
- Olha ! Olha!
- Ssssshhhhh pá pouco barulho... ena pá!
- Chiiiiii...

- Ora, o que é que se passa aqui?
O nosso coração, de cada um de nós, deu um pulo de aflição!
- Não têm vergonha? O que se passa aqui?! Hem?
Ficámos de costas, apoiados nos cotovelos, com ar aparvalhado a olhar para... o Padre Júlio!
- Padre Júlio!?!!
- Que vergonha!! Rapazes educados, de boas famílias, ai, ai, ai ,ai ,ai!!
- Padre Júlio... Não foi nada... não é nada...
- É que nós ouvimos um barulho...
- E o gato correu para aqui e nós...
- Chega de mentiras! Amanhã de manhã quero-os a todos na sacristia! Todos! Ouviram?
- Sim senhor... sim senhor Padre Júlio...
Cabisbaixos, saimos dali a correr...
Mas uma coisa é certa: Aquelas mulheraças estiveram mesmo ali à nossa frente. Nuínhas de todo!
YYuuuupppiiiiiiiiii! Ríamos nós em correria pela rua baixo...

Na manhã seguinte lá fomos à sacristia.
Trinta Avé-Marias? Trinta Padre-Nossos?
Apresentámo-nos sem grandes apreensões, pois o Padre Júlio era cá dos nossos, quer dizer, não era do tipo "rato-de-sacristia-moralista-da-treta". Era alguém em quem sempre confiáramos, em quem se podia confiar.

Era um amigo.
- Vamos lá encontrar uma saída airosa, rapazes!
O Padre Júlio tinha uma incumbência para todos nós, já se adivinhava.
- Rapazes, é coisa que não se faz, espreitar a intimidade dos outros. Foi um erro. E os erros pagam-se! E o vosso vai ser pago com trabalho.
- Trabalho!? Oh, não! - Todos nos lamentámos, vendo as férias grandes a voar...
- Trabalho! Ora digam-me lá: Afinal, o que foram lá fazer?
- Bem, nós fomos... - Hesitou o Nicolau - fomos... ver as meninas...
- Foram ver as meninas!? Muito bem! Sabem quem são aquelas meninas? O que fazem?
- Sim, trabalham no Calema... são... são... trabalham no Calema... - embatucou o Gramaxo.
- É verdade. Trabalham. No Calema. Eu não posso aprovar o trabalho... que elas fazem no Calema. Mas continuam a ser pessoas. Como tu, ou tu, ou tu, ou eu, pessoas como nós! Merecem não só o nosso respeito como também a nossa solidariedade.
Que palavrão! O Padre Júlio começava a falar caro. Nós, em sentido!
- Aquelas meninas - continuou - são quase todas analfabetas.
- Analfabetas? - Estranhou o Alforreca.
- Analfabetas Manelinho, analfabetas! Se calhar é por isso que trabalham... no Calema, percebes?
- Não sabem nada? Nem ler nem escrever? - Perguntei.
- Algumas sabem assinar; 'fazem' o nome mal e porcamente e nada mais.
- Coitadas - Condoeu-se o Fanadinho.
- Pois é, Por isso, pensei num trabalho para vós. Tenho a certeza de que vai agradar-vos, rapazes!
- O que é? O que é?
- Vão dar aulas às meninas do Calema! Vão ensiná-las a ler e a escrever. Aqui no salão paroquial.
Entreolhámo-nos, algo confusos.
Nós, pingentes de 12 e 13 anos? Dar aulas a adultos?
Todavia, sempre eram as meninas do Calema!
- Já falei com elas. Eu acompanho-vos no início de cada aula e depois vocês continuam a tarefa. Dos vossos pais trato eu. Está bem?
A estupefação inicial havia passado e dera lugar a uma euforia ingénua tanto quanto maliciosa, mitigada por um sentimento de responsabilidade crescente à medida que a tarefa nos ía tomando conta da razão.

O Padre Júlio tinha em curso projectos sociais, também de alfabetização, e numa sociedade de mente aberta como aquela as meninas do Calema encaixavam ali perfeitamente, sem rebuços hipócritas nem levantamento de beatas histéricas.
Saímos dali de peito inchado, orgulhosos, agradecidos pela confiança que o Padre Júlio em nós havia depositado.


Pois foi um verão memorável!
As meninas do Calema não só eram alunas aplicadas como também eram grandes compinchas, com a meninice à flor da pele, ombro a ombro com a nossa própria, capazes de carinho e afectos fraternais, quando não mesmo maternais, que ainda hoje relembro com grande emoção.

Que grandes férias!

Coisa que nunca percebemos, e ainda hoje está por saber, era o que fazia ali o Padre Júlio, naquela noite...

sexta-feira, agosto 11, 2006

RECANTOS DA MINHA MEMÓRIA - IV

A peixaria do Zé Maria ficava mesmo em frente.
Chamavam-lhe peixaria, mas na verdade era uma fabriqueta de transformação e exportação de marisco e pescado variado.
Tinha um cais próprio, onde atracavam as traineiras e que nos servia de parque infantil, piscina, reino dos piratas, fortaleza, eu sei lá...
O Zé Maria era um porreiraço, muito amigo do meu pai, e de quando em vez lá vinha uma santola ou mesmo uma lagosta acabadinha de cozer, para a miudagem.
O cais ficava na zona da baía, águas calmas, perturbadas apenas pela passagem dos navios, das lanchas ou das traineiras.
Um bote ou uma chata não tinham segredos para nós.
Qualquer um de nós gingava uma chata com a destreza de um autêntico marinheiro.
Sabiamos fazer um nó de porco para a amarração e até mesmo um lais-de-guia, nó nada fácil de alcançar na perfeição.
Mas as brincadeiras com os barquitos alheios não preenchia já a nossa imaginação.
Verdadeiros piratas têm verdadeiros navios-pirata sob o seu domínio!
Verdadeiros piratas têm o seu próprio "navio".
Sentámo-nos em discussão.
A questão era: Onde desencantar um "navio" pirata?
Dos bolsos e dos mealheiros sairam as moeditas, mas todas juntas não chegavam para três braças de cabo, quanto mais para um botezito, mesmo roto...
- E se construíssemos um "navio"?
O Alexandre saltou como se tivesse uma mola tensa debaixo do traseiro!
- É isso!!! É isso!!! Vamos fazer um barco!!!
- Um navio, pá, diz-se um navio - insistiu o Nicolau - os piratas não têm barcos, têm navios, já viste se tivessem barcos ninguém os respeitava, por isso é navi...
- Pôrra! Tá bem, tá bem... vamos fazer um navio!
- E como, com quê?
Olhámos ali para o lado e a pilha de caixas de madeira riu-se para nós.
Levantámo-nos e cercámos o monte de caixas, olhando-as pela primeira vez!
Ora, acontece que o Zé Maria exportava o seu pescado em caixas de madeira, caixas essas que eram montadas ali na carpintaria da fabriqueta.
A amizade entre o Zé Maria e o meu pai valeu-me a incumbência da nobre tarefa de tentar reverter para a nossa causa uma esperada nega no pedido de utilização da madeira das caixas. Da madeira nova, evidentemente.
Mas o Zé Maria era uma alma única, certamente tivera uma infância feliz e creio ter vislumbrado uma enorme pena por ter crescido e não poder agora acompanhar-nos na criação do navio pirata, quando me respondeu:
- Um navio pirata!? Ah ah ah ah!! Pago pra ver!!! Que grande idéia! Ok, rapaziada. Vão ter com o Muxico e ele que vos dê as tábuas e os pregos e o que for preciso. Quero ver esse navio! Ah ah ah ah...
Do Muxico obtivemos não só os materiais, as ferramentas, como também os rudimentos da fabricação da coisa.
Era preciso uma quilha, fazer um cavername e depois recobrir tudo com as tábuas.
Utilizamos os fundos do quintal, uma zona reservada, pois não queríamos interferências de outras engenharias.
Aquilo foi coisa para uma semana.
Uma semana febril de corta e prega e arranca e torna a pregar e torna a cortar," é assim", "não, não, é assado", "segura aqui", "vai agora! Força!"...
A coisa começou a tomar forma e já parecia um botezito, de fundo achatado.
Mas não flutuava ainda. Era preciso calafetá-lo e impermeabilizá-lo.
Da necessidade ao Macué foi um passo.
O Macué era o encarregado da manutenção das traineiras e foi ele que nos deu uma lata de pez e um rolo de estopa de linho.
O know how tinhamos nós, pelas horas de obervação dos artífices na calafetação das embarcações.
Vá de calafetar.
O trabalho ficou pronto quando o pez se acabou, metade dele agarrado às nossas pernas, aos calções, ao cabelo (tramado tirar aquilo do cabelo, "agora só com azeite", dizia a minha mãe tentando perceber onde terminava o meu cabelo preto retinto e começava o pez da mesma cor).
Faltava apenas o toque final: Uma pintura. Um "navio" de piratas que se preze é pintado a preceito.
Na secção das tintas o Mané convenceu-nos de que aquela tinta de cor grená era a melhor.
Torcemos um pouco o nariz... grená... mas era a melhor! e um pirata deve ter o melhor.
O barquito lá ficou todo pintado de grená. Bonito o danado!
Um velho remo foi transformado num belo mastro.
Já os sacos que serviam ao transporte do milho forneceram o pano para a vela latina, toda cosidinha à mão com agulha albardeira.
Comprámos uma pequena bandeira nacional, para a içar no mastro do "navio".
O toque final era a bandeira dos piratas. Foi desenhada e pintada a preceito, caveira e ossos cruzados, brancos sobre fundo negro. Um espanto!

Para evitar aflições e vexamos inúteis, no silêncio de uma bela madrugada de noite mal dormida pela espera, suámos as estopinhas mas metemos o malvado à água.
Flutuava.
Direitinho!

Aí pelas 9 da manhã estava eu, o Nicolau e o Alexandre a navegar a pleno pano, a não mais de 200 metros do cais.
O Fanadinho, o Alforreca, o Tito, o Gramaxo, a Lolita e a Inês (sim, sim, havia meninas, pois então!) estavam no cais, à espera de vez. Sim, porque o "navio" era de calado pequeno e mais de três piratas a bordo... afundavam-no!

Nisto, vem de lá o Zé Maria pelo cais, a gesticular, a gesticular...
A rapaziada à sua volta pulava, gritava, apontava... e nós espantados!
Não conseguíamos ouvir nada do que gritavam.
O Zé Maria gesticulava, fazendo-nos sinal para atracar, para regressar ao cais.
A bombordo, passou uma lancha e o mestre apitou, veio à amurada e também nos gritou algo que se perdeu no barulho do motor, apontando o nosso "veleiro".
Uma inquiteção tomou conta de nós.
O Zé Maria, no cais, continuava a chamar-nos a terra, ao cais.
- Nicolau! - era o Nicolau que ía ao leme - mete ao cais que alguma coisa não está bem...
- Fogo pá! O que será?!
A sensação de felicidade de navegar, de flutuar naquela casca de noz, feita pelas nossas mãos, deu lugar à apreensão.
Metemos direitinho ao cais, o "navio" a todo o pano, impecável, rasgando a água azul com aquela sua cor grená, orgulhosa, presente, personalizada.
À medida que nos aproximávamos a malta fazia uma algazarra tal que não conseguiamos ouvir o Zé Maria.
- Encosta, encosta! Olha o cabo!
Passado o cabo, preso o "navio", subimos ao cais pelas escaditas carcomidas e demos de caras com o Zé Maria.
- Ah! meus malandros...
- O que foi? O que foi? Sô Zé Maria, nós não...
- Ah! Cambada de malandros!!! Ih ih ih ih - Ria-se ele e nós sem percebermos patavina...
- Oh meus malandros, querem ir todos presos?!
- Mas nós não fizemos nada, nós...

- Então vocês não sabem que a PIDE anda por aí? que está em todo o lado?
- PIDE?!
- Chiiuu... shshsh... baixinho... a PIDE , sim.
- Mas nós não fizemos nada...
- Ah ah ah ah ih ihih - ria-se ele entre complacente e zangado e nós sem nada perceber.
- Olhem, para a vossa bandeira. Olhem!
- O que é que tem?
- A bandeira nacional, rapazes, a bandeira nacional!
- É novinha em folha, foi o Nicolau que a foi comprar e tudo...
- Pois é... mas está de pernas para o ar!!! De pernas para o ar, caraças!!!
- (!!!)
- Se a PIDE vê a bandeira de pernas para o ar vamos todos presos! E fecham-me a peixaria, rapazes!

(Este pequeno conto dedico-o ao meu amigo Alexandre, onde quer que ele se encontre; amigo que eu, desde então, não mais voltei a ver)

quarta-feira, agosto 09, 2006

RECANTOS DA MINHA MEMÓRIA - III

Depois da escola, era sagrado: Ir à fruta!
Ela era mangas, pitangas, goiabas, anonas, fruta-pinha, papaia, mamão, nochas, maboques, mirangolos...
Naquele dia haviamos combinado ir à fruta-pinha, uma espécie de anona, de casca mais rugosa e sabor intenso.
Sabiamos onde a encontrar.
Havia que subir o rio, pela margem já que era verão e o caudal, grosso, não permitia veleidades.
Mas, para pernas de 9 anos, isso não era problema.
Fui eu, o Chinvoco, o Massusse e o Piruleta.

Descalços, calções e tronco nú como impunha o supremo gozo da vida simples, das vidas simples. "Cuidado com as cobras!", era o medo maior!
Claro que os varanos faziam a sua aparição, mas aquele arremedo de jacaré "kandengue" não impressionava ninguém.
Fugia a quatro patas com dois berros e umas pedradas.
O calor era insuportável naquele dia.
Pela sombra das mulembas, lá fomos de ideia fisgada na fruta-pinha.
Nem os mirangolos nos detiveram e olhem que já os havia maduros.
A água bebia-se nos remansos do rio, ali onde ela parecia brotar da terra, límpida e fresca.
Já se avistavam as anoneiras.
O Chinvoco era o mais velho e mais experiente, "Ispera aqui, pá, qui vô vere". E foi.
Ficámos. Em silêncio.
Entretanto, fomos procurando as pedras mais indicadas à nobre tarefa da guerra da fruta-pinha. Cada um enfiou nos bolsos dos calções tantas quantas lá cabiam.
Fundamental era também um pau, um bom pau, verde, que não se partisse logo à primeira cacetada no chão.
"Pôra, pá, sêrá qui os gajo tão lá?" afligia-se o Massusse espreitando a chegada do Chinvoco.

"Os gajo tão lá, pá!".
E o Chinvoco traçou logo ali a táctica de assalto e controle do território.
"Tu vais no tambor".
O tambor era uma velha árvore tombada, oca do caruncho, peça fundamental na guerra que se avizinhava.
"Piruleta, tu ficas anqui e anqui que ninguém passa, pá!".
"Massusse, vais na borda do rio mas não passa pra cima. Pra cima é onde os gajo vão sair, pá!".
"Eu vou por anqui e quando grito todos avança!"
Com as missões definidas, cada um de nós avançou lenta e cuidadosamente.
Instalei-me no tambor, o pau a jeito, e esperei o grito do Chinvoco.

Ouvia-se a restolhada que os gajos faziam, os seus gritinhos, a sua chiadeira.
Pé-ante-pé, o Chinvoco aproximou-se.
Houve um silêncio súbito. Os gajos perceberam!
"ATACAAAAA!!!!" Era o Chinvoco no comando!
O tambor urrava, debaixo da malha de porrada que eu lhe afinfava.
Numa chinfrineira infernal, os paus batiam no chão e na folhagem com toda a força, a gritaria ombreava com o barulho da água em queda nos rochedos ali ao lado.
Os macacos, aos guinchos, fugiam em debandada geral.
Depois, os mais afoitos paravam, regressavam e, raios!, eram atiradores exímios!
Pedras, paus, fruta, tudo era utilizado como munição.
Mas nós estávamos precavidos: Os bolsos cheios de pedras eram paióis a debitar munições e a pedrada fervia em direcção à macacada.
O toque final, que os levava para lá do rio, era uma correria, todos em conjunto, como se de um só corpo se tratasse, de braços erguidos armados de varapaus, e uma gritaria medonha qual dragão doido , furibundo, ali parido do nada para assombrar as pobres criaturas parentais.

Depois era a partilha da vitória, uma redundância empolada, uma recreação do vivido, tudo numa algaraviada de risos e cacofonias, de encenações miméticas, numa comunhão de vida e vivência.

Liberto o pomar, havia que tomar conta do reino.
Para não haver dúvidas, cada um ficava com a sua "despensa" de fruta-pinha.
Depois, era comer até mais não.

Que bem sabia uma fruta assim conquistada!