domingo, julho 09, 2006

HOJE, COMO HOJE

- Como disse?
- Nada... Não disse nada. Estava a ler em voz baixa...
- Leia alto. Por favor...
- Terá interesse? É Tocqueville... com mais de cem anos...
- A que propósito?
- Bem... Democracia. A propósito da democracia, veja lá... Ora ouça:
"...penso que a espécie de opressão que ameaça os povos democráticos em nada será parecida com aquelas que a têm precedido no mundo (...) Busco no vazio, eu próprio, uma expresssão que reproduza exactamente a ideia que formo e a compreenda: as antigas palavras despotismo e tirania não me parecem de forma alguma adequadas.
A coisa é nova (...). Vejo uma multidão inumerável de homens parecidos e iguais que giram sem repouso sobre si mesmos para procurarem pequenos e vulgares prazeres com que enchem a sua alma.
Cada um deles, visto em separado, é como que estranho ao destino de todos os outros (...): Não existe a não ser em si mesmo e para si só e, se resta ainda uma família, pode dizer-se pelo menos que já não tem pátria. (...) Acima deles eleva-se um poder imenso e tutelar, que só por si se encarrega de assegurar os seus gozos e de velar pela sua sorte. É absoluto, detalhado, regular, preciso, previsor e doce. Pareceria um poder paterno se, como este, tivesse como objectivo preparar os homens para a idade viril; Mas não, pelo contrário, não procura senão fixá-los irrevogavelmente na infância; quer que os cidadãos desfrutem conquanto não pensem senão em desfrutar.
Trabalha de bom grado para o seu bem-estar, mas quer ser o único agente e o único árbitro, providencia a sua segurança, prevê e assegura as suas necessidades, facilita os seus prazeres, conduz os seus principais negócios, dirige a sua indústria, regula as suas sucessões, divide as suas heranças.
Porque não haveria de tirar-lhes por completo o transtorno de pensar e o esforço de viver! (...) É assim que cada dia converte em menos útil e em mais raro o emprego do livre arbítrio; encerra a acção da vontade num espaço menor e subtrai a pouco e pouco cada cidadão até ao uso de si mesmo.(...)
Depois de ter tomado assim, a pouco e pouco, nas suas poderosas mãos, cada indivíduo, e de o ter moldado à sua maneira, o soberano abre os seus braços sobre a sociedade inteira; cobre a sua superfície com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os talentos mais originais e as almas mais vigorosas não poderão encontrar a claridade para sobressairem da multidão;
Não destrói as vontades, mas amolece-as, submete-as e dirige-as;
Raras vezes obriga a agir, mas opõe-se, sem cessar, a que actue;
Nada destrói, mas impede que nasça;
Não tiraniza nada, mas estorva, comprime, enerva, apaga, e reduz, enfim, cada nação, a não mais do que um rebanho de animais tímidos e laboriosos, de que o Governo é pastor.".

- Tocqueville, hem?
- Pois...
- Quem era? Algum profeta?
- Pois...

3 comentários:

Sónia Sousa Pereira disse...

Esse é mesmo o ponto da questão - a infância civilizacional...

Estou cá! :-)

S.

DarkMorgana disse...

E ficamos conformados no nosso próprio exílio!
Escrevi algo um dia em que me senti exactamente assim. Vou trancrever uma parte:

"Estou no meu exílio
sem forças para rasgar as cortinas de ferro que me separam
das minhas fúrias de ser...
ou de pretender...

Disfarçadamente sacudida...
talvez para onde não deveria tentar sair:
a pobre realidade
a escassa identidade
a magra personalidade
proibida de explodir"

Apache disse...

Tocqueville, hem?! Cem anos?!
Vou fanar este texto para "postar" no meu blog!
Perdão... Furto qualificado!