quinta-feira, setembro 22, 2005

Esta não é do reino da candy camera

A ASJP, no seu comunicado de 19 de Setembro em curso diz ( e bem) a certa altura, a propósito do congelameneto das progressões e suplementos remuneratórios: "(...) Embora o artº 3º [da Lei nº 43/2005] tenha vindo estatuir a aplicação desse regime a juízes e magistrados do MºPº, entende a ASJP, ara além do mais, que o disposto naquele artº 1º não nos será aplicável, já que nosso estatuto não há qualquer progressão na carreira dependente apenas do decurso do tempo.
E mesmo que assim não se concluísse, não deverá nunca esse congelamento aplicar-se aos colegas que terminaram agora o regime de estágio, dada a evidente diferença qualitativa de funções assumidas após o termo daquela no que respeita aos colegas provindos do curso especial para a jurisdição administrativa e tributária.".
E diz muito bem.
Comove-me, até, esta pronta preocupação com a "evidente diferença qualitativa de funções assumidas após o termo daquela fase de formação".


O que lhes vou contar a seguir, em duas palavras, seria do reino da caricatura, do ridículo e do risível, não fosse caso de extrema gravidade que afecta psicologica e materialmente os juízes envolvidos.
Uma vez efectuado o tal supra referido curso especial e após o período de estágio, os juízes dos tribunais administrativos e fiscais (84) iniciaram as suas funções, como juízes efectivos, em tribunais de círculo (cfr. Cap. V do Título I do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro e republicado pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro).
Nessa qualidade julgam todo o tipo de acções que à primeira instância compete julgar.
Presidem ao tribunal colectivo.
Exercem, pois, as exactas funções que ao juiz de círculo compete julgar, nestes tribunais.
Também nestes tribunais o MºPº se equipara ao Juiz de círculo.
Os únicos que tem o estatuto, incluindo o remuneratório, de juiz de direito são 83 juízes daquele grupo.
Mas curiosamente, tem uma remuneração de juiz estagiário!
Isto não é uma anedota.
É a pura realidade no dia de hoje, 22 de Setembro de 2005.
Portanto, meus caros amigos, os tribunais administrativos de círculo estão providos com juízes de direito, que exercem materialmente as funções de juíz de círculo e têm o vencimento de um juiz estagiário!!!
Lembram-se da "evidente diferença qualitativa de funções assumidas após o termo daquela fase de formação"?
Pois é: Esse grupo de 83 juízes, se se lhes aplicar o dito congelamento vão continuar (!!!) 2006 adentro a ter o vencimento de estagiário ÍNDICE 100 (!).
O curioso é que não sairam dos bancos da escola para a magistratura.
Foi-lhes exigido CINCO anos do exercício de funções profissionais em direito público.
Experiência essa que trouxeram para a judicatura, a custo zero para o Estado.
Tinham uma vida já em curso, portanto.
Tinham um determinado nível de vida, filhos, compromissos financeiros, enfim, o normal.
Aceitaram baixar esse nível de vida, temporariamente, aceitando as vicissitudes do início da nova carreira.
Mas certamente nunca teriam aceite esta situação se lhes tivesse sido dito que o Estado esperava deles trabalho escravo.
Para trabalho igual salário igual?
É verdade que sim.
Mas só em países em que o Estado é pessoa de bem!

Mas, para que conste, este grupo de 83 juízes mantém-se firme, no seu posto, trabalhando afincadamente, com toda a dignidade e orgulho no exercício do seu múnus jurisdicional.
Porque um juiz é sempre um juiz!
E a sua dignidade e profissionalismo está acima de tudo!
Mesmo que peça dinheiro emprestado ao banco para sobreviver, como complemento de salário;
Mesmo que diariamente procure os restaurantes mais económicos e, nestes, o menú mais barato, porque o dinheiro não dá para mais;
Mesmo que deixe de comprar livros, por terem passado de repente a bem de luxo;
Mesmo que deixe de fazer férias, que passaram também a um bem de luxo, inalcansável.
Mesmo que as lágrimas escorram imparáveis pela cara abaixo;
Mesmo que a alma doa até ao desespero.

Mesmo aí, a dignidade de um juiz não se vende, não se troca, não se dá!
Humilhados, vexados, mas não vergados!
Antes juízes até ao fim!
E orgulhosos de o ser!

Todavia, por vezes, pergunto-me: Onde é que estes juízes vão buscar a força, a concentração, a serenidade e a paz de espírito necessárias à difícil tarefa de julgar?

Apenas para que conste...

4 comentários:

Sónia Sousa Pereira disse...

Antes fosse o olhar dessa "camera", sempre dava para sorrir..

É incrível o mal-estar que se sente... tenho vindo a aperceber-me que grassa por todo o lado, classes sociais, faixas etárias.

Desencanto.

Que falta faz a capacidade de nos encantarmos.

Boa noite e ânimo.

SSP

Anónimo disse...

A preocupação expressa por Xavier é + do que pertinente e justa. Aos juízes dos TAF foram defraudadas expectativas legítimas a que acresce a não execução de um espacho do Secret. de Estado Conde Rodrigues (por sinal um dos juizes dos TAF: não estaria impedido de o fazer? É só uma provocação).
Qto ao MP que está nos TAF, são Procuradores com muitos mais anos de serviço que a maioria dos juízes de círculo. Além disso, os juízes tributários e adminstrativos que não são do curso especial, tb vencem como juízes de círculo (mas os juízes dos TAF sabiam que não viriam a vencer como estes).
É um bom exemplo do autismo e prepotência economicista do governo.
Uma coisa é certa: algum dia terão que processar os aumentos, retroactivamente.
No essencial, têm a m/ solidariedade (que, acredito, pouco consolo trará). Importante mesmo,é não perderem a ideia de assumirem a função constitucional de garante dos direitos do cidadão e contribuinte.

Abraços

Anónimo disse...

A associação sindical deveria contribuir para resolver situações como a descrita - situação que a um leigo se apresenta como injusta.
Mas, não contribui.
Então serve para quê?

xavier ieri disse...

Olá Sónia,
Obrigado pela palavra amiga.

Caros anónimos,
Obrigado pela solidariedade.
A ASJP fez algo, sim senhor.
Tarde, a más horas e de má vontade, mas fez.
Disponibilizou serviços de advogado para o patrocínio de uma causa que corre agora em tribunal.
Todavia, encontra-se parada. Sem andamento.
De resto, toda esta história é mirabolante, rocambolesca, sórdida, mesquinha.
Talvez um dia a conte.
Desde a raiz.
E muita gente ficaria espantada.
Por ora, melhor é unirmos esforços, todos os juízes, todos os magistrados do MºPº, todos os advogados e todos os funcionários judiciais, TODOS pela excelência do exercício da função jurisdicional.
É a única resposta!